Asas da saudade

Álvaro José dos Santos Silva

- Eita, que diabo!

Foi de repente. Papai, que instantes antes estava debruçado sobre mim dando orientações sobre aproximação de pouso, voltou de imediato para a sua poltrona traseira. Em fração de segundo golpeou o manche do avião para o lado esquerdo, levantou a asa direita e vimos a chaminé da Fábrica de Bombons Garoto passando a poucos centímetros da ponta da asa do monomotor do Aeroclube do Espírito Santo. Leia

 

Pessanha Póvoa, Du Guay-Trouain e o Forte de Piratininga

Getúlio Neves

Sem o devido cuidado, estudos para escrita de material acadêmico podem resvalar para qualquer lado. Aliás, pelo senso comum, quanto mais amplo o tema, pior para estudar e escrever. Mas com método e um pouco de sorte a necessidade de pesquisar largos períodos temporais revela “achados” inusitados. Pesquisando a estrutura de defesa militar do século XVIII (uma rede formada da conjugação de esforços locais das capitanias para fazer frente a ameaças de saques e invasões estrangeiras) deparei-me no jornal A Província do Espírito Santo, edição de 16 de setembro de 1885, com uma informação surpreendente. Leia

 

Grande prazer sinto por me achar no meio de vós

Luiz Guilherme Santos Neves

Ao se tornar imperador do Brasil em 1842, em decorrência do chamado golpe da maioridade que pôs fim ao período regencial (1831-1840), Dom Pedro II se via com a incumbência de governar um país que ainda urgia pela completa pacificação nacional. Isso, quando ele tinha apenas 15 anos de idade, o que permite dizer que o golpe da maioridade tanto foi golpe para o Brasil, como para o jovem e inexperiente imperador. Leia

 

Vida bocejada, a de Vitória?

Luiz Guilherme Santos Neves

Escreveu o poeta no Livro do desassossego: “Acordei hoje muito cedo, num repente embrulhado, e ergui-me logo da cama sob o estrangulamento de um tédio incompreensível. Nenhum sonho o havia causado; nenhuma realidade o poderia ter feito. Era um tédio absoluto e completo, mas fundado em qualquer coisa.”

Esse tédio absoluto, fundado em qualquer coisa, o que equivale a dizer, afundado em coisa nenhuma, um vazio d’alma sufocante e indefinível que acometeu Fernando Pessoa, “uma náusea física da vida inteira” que nasceu com o despertar matinal do poeta, não é o mesmo tipo de tédio a que se referiram José Carlos Oliveira e Luiz Edmundo Appel em relação à cidade de Vitória, entre 1950 e 1952. Leia

 

Manguinhos do nome e da origem

Luiz Guilherme Santos Neves

Existe na geografia do Estado do Espírito Santo um rio chamado Manguinhos. A rigor, nem chega a ser rio, mas apenas um riacho de águas cor de cobre que languidamente se esvaem para o mar.

Não satisfeito com a cor excepcional de que se reveste, e da pacatez do seu curso desacelerado e manso, o rio (que seja assim respeitosamente chamado) dá-se ao luxo de desaguar em meio a um tapetão de negros arrecifes que enobrecem a sua foz. Leia

 

Historiográficas fotos de botocudos do Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

Os conflitos entre os botocudos do vale do Rio Doce, no Espírito Santo, e os colonizadores da região têm um passivo de séculos de História com raízes na “guerra justa” ou “guerra ofensiva” desencadeada contra aqueles indígenas desde a chegada de D. João ao Brasil e desde a fundação de Linhares.

No caso do Espírito Santo, foi a fim de sustentar o combate contra o botocudo, refratário à adaptação civilizatória, que quarteis militares foram criados no vale do Rio Doce, o que resultou no incremento dos embates com os indígenas. Leia

 

A Vitória do Espírito Santo, no Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

É óbvio que existe um duplo sentido no título deste texto. Sua explicação recua às festividades pelos seis meses de governo do Marquês de Montalvão, em 1641, quando o padre Antônio Vieira – um dos mais notáveis oradores sacros do Brasil – proferiu o sermão do dia de Reis, no Colégio da Bahia. Leia

 

Primeiro documento historiográfico sobre o Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

Em 1812, o bispo D. José Caetano da Silva Coutinho desembarcou no cais do Palácio do Governo, futuro cais das Colunas, depois do Imperador, na ilha de Vitória. Vinha em missão de pastoreio sacerdotal e, como lhe competia, registrava, bênção por bênção, os aspectos marcantes da viagem.

Dos integrantes da ilustre comitiva que o foram recepcionar, o prelado citou os nomes, os cargos ou funções de vários deles, dentre os quais, além do “governador novo de oito dias, Francisco Alberto Rubim”, estava “o coronel ex-governador Monjardim”. Leia

 

Sabores capixabas de sempre

Getúlio Neves

Gastronomia atualmente é moda. Alta cozinha, como a alta costura, é produto de luxo e trunfo do mercado de turismo. As escolas de culinária se multiplicam, os grandes chefs tornam-se ídolos pop, e é assim em toda parte. Pelos mais eruditos as regiões geográficas e as comunidades populacionais são associadas ao “prato típico”: acarajé, tacacá, churrasco, tutu, torta e moqueca capixaba. Leia 

 

Bilros que fazem arte

Luiz Guilherme Santos Neves

Esta almofada me mata,
estes bilros me consomem;
os alfinetes me espetam,
a renda me tira a fome.

São apenas quatro versos, tirados do cancioneiro de trovas populares do Espírito Santo. No entanto, definem com eloquência versificada a sina das antigas rendeiras capixabas no tec-tec diário dos bilros de madeira do seu delicado e exaustivo ofício artesanal, herança que veio de Portugal. Leia

 

No Centenário da Academia Espírito-Santense de Letras

Getúlio Neves

2021 marca o centenário de fundação da Academia Espírito-santense de Letras, que por este motivo quer dar-se a conhecer mais de perto aos capixabas.

De início, põe-se a questão da data de fundação: iniciadas reuniões preparatórias a 31/07/1921, a 04/09 eram aprovados os estatutos. A instalação se deu a 28/09/1923, sob a presidência de D. Benedito Paulo Alves de Souza, 3.º bispo do Espírito Santo. A multiplicidade de datas gerou dúvidas sobre qual considerar como marco inicial. Só em 1975 foi-se a fundo na questão, definindo-se 04/09 como sendo a fundação. Desde então esta é a data magna da nossa casa de letras. Leia

 

Vitória no tempo das diligências

Luiz Guilherme Santos Neves

Naquele tempo havia diligências em Vitória. Nelas, sempre se embarcava aos domingos, às duas da tarde. O ponto de partida ficava na esquina da Avenida Cleto Nunes com a Avenida República, no Parque Moscoso. Era indispensável que se observasse o horário. Chegar atrasado era perder o lugar. Primeiro porque, naquele tempo, era grande o número de pessoas ansiosas por embarcar; segundo, porque as diligências variavam na capacidade: umas tinham quatro lugares para os passageiros; outras tinham seis. Correspondentemente ao número deles, às vezes eram quatro cavalos, às vezes seis, atrelados à diligência. Sobre a capota, para as malas e trastes a serem transportados, ficava o bagageiro. Na boleia, a céu aberto, exposto às intempéries, assentava-se o cocheiro que, de rédeas na mão, controlava com sapiência a marcha das cavalgaduras. No rastro da carruagem, pelos descampados a perder de vista, subia a poeira formando um rabicho esvoaçante que podia ser divisado de longa distância. Era um convite e um desafio à cupidez dos assaltantes. Leia

 

O carro de boi nas terras capixabas

Luiz Guilherme Santos Neves

Os primeiros engenhos de açúcar do Brasil, construídos de madeira pelo colonizador português, foram de tração animal. E o boi, trazido de Cabo Verde, Canárias e da Madeira, constituiu-se na força motriz das almanjarras ou paus de roda das moendas como mostra a figura abaixo (in Historia Naturalis Brasiliae, 1643. Guilherme Piso).

Sabe-se que no Brasil tupiniquim não havia boi, exceto o peixe-boi, a cuja existência e descrição fez menção o padre Fernão Cardim no texto Tratados da terra e gente do Brasil que recua ao final do século XVI: “Este peixe nas feições parece animal terrestre, e principalmente boi: a cabeça lhe é toda de boi com couro, cabelos, orelhas, olhos e língua...” Leia

 

O Cais do Avião

Álvaro José Silva

As empresas aéreas do início do século XX usavam hidroaviões que decolavam e pousavam em mares, rios, lagos, lagoas, etc., e em Vitória, no bairro de Santo Antônio, era onde funcionava, antes e em seguida paralelamente ao Aeroporto de Vitória, o “hidro posto” chamado de “Cais do Avião”. Ou aeroporto marítimo. Leia

 

Os serpentinos braços do Santo Ofício na capitania do Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

Quão longo quanto o braço da Santa Igreja Católica na propagação do catolicismo em terras do Brasil Colonial foi também o sombrio e serpentino braço do Santo Ofício no alcance das heresias e outras formas de condutas consideradas anticristãs e, como tal, ferreamente reprimidas pela Igreja. Leia

 

Uma luneta irônica e perscrutadora

Luiz Guilherme Santos Neves

Com o título de “De ‘Oh, Suzana’ a Luz em Agosto, referi-me, nestes Fatos e Coisas criados pelo escritor Pedro J. Nunes, à passagem em 1851, pelo Espírito Santo, do aspirante de marinha Edward Wilberforce, a bordo da corveta inglesa Geyser, na repressão aos navios que contrabandeavam escravos no litoral brasileiro. 

Se retorno à luneta de Wilberforce é para assinalar o tom irônico de algumas de suas observações no relato de viagem que ele escreveu, tom para o qual chamei a atenção no meu texto anterior sem, todavia, maiores esmiuçamentos. Leia

 

Para maior glória de Deus?

Luiz Guilherme Santos Neves

A história do Brasil se fez com sangue e morticínio, ou não seria História.

Desde a chegada do colonizador português às terras do pau-brasil, nos primeiros embates travados com os nativos da terra já se prenunciava o intenso derramamento de sangue que viria nos capítulos seguintes da dominação lusitana. 

Tome-se por referência a pregação do Cristianismo com o propósito da conversão e salvação dos índios brasileiros que se exteriorizou numa cruzada bélica contra os que não se submetiam à catequese jesuítica. Leia

 

Uma terra de muitas realezas

Luiz Guilherme Santos Neves

“E, portanto, senhor, do que hei de falar começo e digo” – invoco Pero Vaz de Caminha na carta que escreveu ao rei de Portugal narrando o Descobrimento do Brasil.

Mas não será esta uma narrativa com revelações inéditas, apesar de, ao contrário da missiva do escrivão da frota de Cabral, tratar-se aqui de um punhado de informações que nunca é demais repetir. Até porque implica falar de realezas, como deixa explícito o título que encabeça o texto e conforme se lerá no que se segue.

Aconchegada entre montanhas no sul do Estado do Espírito Santo situa-se Muqui que, antes de ser cidade, era Arraial dos Lagartos. Pelo nome que tinha ainda não chegara ao tempo do esplendor das realezas. Foi com o advento da cultura cafeeira, a partir do século XIX, espalhando-se em torno do antigo arraial, que o lugar passou a ser Muqui, adquirindo grandeza econômica, sem perder, todavia, as características de cidade pequena, que conserva até hoje. Leia

 

A capixabíssima muma de siri

Fernando Achiamé

A palavra “muma” e a expressão “muma de siri” não constam dos dicionários. Nem do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – o VOLP, elaborado e mantido pela Academia Brasileira de Letras. Tal realidade se constitui em mais um indício de que essa palavra tem circulação restrita a certas regiões do Estado do Espírito Santo. Esperamos que um dia o vocábulo “muma” esteja dicionarizado. No entanto, os capixabas do litoral, ao menos os que saboreiam as receitas típicas da nossa culinária, sabem muito bem o que significa muma de siri – um delicioso prato. Feito à base de fruto do mar, seu consumo no tempo da Quaresma é mais corriqueiro. Leia

 

De "Oh, Suzana" a Luz em agosto

Luis Guilherme Santos Neves

Talvez tenha sido no Espírito Santo onde se cantou em inglês pela primeira vez no Brasil a conhecida canção norte-americana “Oh, Suzana, não chore por mim” - e cantada poucos anos depois de composta por Stephen Collins Foster.

O autor – está no Google para quem quiser consultar – foi considerado o "pai da música norte-americana", nascido em 4 de julho de 1826 e falecido em 13 de janeiro de 1864. Suas canções, incluindo “Oh, Suzanna”, "Camptown Races", "My Old Kentucky Home", "Old Black Joe", "Beautiful Dreamer", "Old Folks at Home", "Swanee River" permanecem populares até hoje. Leia

 

Antiguidade do artesanato das paneleiras de Goiabeiras, em Vitória

Luiz Guilherme Santos Neves

Já tive oportunidade de escrever que artesão é o João-de-barro, que constrói sua casa no bico. Mas se me restringisse a esta afirmativa estaria sendo profundamente injusto com os demais artesãos e artesãs que usam das mãos para fazer suas belas artes, inclusive as tradicionais panelas de Goiabeiras, em Vitória. E teriam elas todo o direito de se sentir ofendidas. Portanto, apresso-me em dizer que se o João-de-barro é o precursor do artesanato de barro na história do mundo, também é antiga a arte ceramista das paneleiras de Goiabeiras. Leia

 

Chove-chuva

Luiz Guilherme Santos Neves

A velha recorrência às procissões petitórias de chuva, lídima herança que chegou ao Brasil via Portugal, foi sendo gradativamente abandonada e esquecida nos grandes centros urbanos brasileiros, tornando-se tradição ultrapassada e até excêntrica.

Não sei se o desaparecido costume ainda persiste em algum rincão do interior brasileiro. Mas, em tempos idos e carcomidos, teve ele presença constante sempre que se instaurava a necessidade de se rogar aos céus e aos santos que fizessem chover a chuva bem-vinda para extinção das secas prolongadas, com suas consequências trágicas, dentre as quais se impunha a falta de alimentos de que se ressentiam as populações afligidas pela escassez das águas da fertilidade. Leia

 

O relógio de estimação do senhor bispo

Luiz Guilherme Santos Neves

Suponho que fosse um Patek-Phillipe o relógio do senhor bispo, talvez sem a correntinha de ouro para não incorrer no pecado da ostentação.

Mas se fosse um Savonnette ou um Rosskopf também seria de boa prestança para o reverendíssimo D. Pedro Maria de Lacerda, durante suas exaustivas andanças pastorais pelos rincões do Espírito Santo, nos anos de 1880 e 1886. Leia

 

De Guaraparim a Guarapai

Luiz Guilherme Santos Neves

Guaraparim, como se chamava então, era uma povoação de pescadores, nada mais que isso.  “Quase toda a gente, que é pobríssima, me cheirava a peixe”, escreveu o bispo José Caetano da Silva Coutinho nos idos de 1812, quando por lá esteve em viagem pastoral. Além do peixe, o prelado apurou que o lugar tinha ares muito ventilados, boas águas, horizontes largos, e fama de saúde. Leia

 

São Pedro do Itabapoana

João Gualberto

Todos devem conhecer aquele sítio tão especial. O que temos como turistas capixabas para desfrutar é o clima ameno, a natureza exuberante, uma população gentil e acolhedora, vários eventos durante todo o ano e, sobretudo, a arquitetura do distrito sede e de pelo menos uma dezena de fazendas do café do fim do XIX. Não é pouco. Posso lhes garantir. Leia

 

Morte ao bugre

Luiz Guilherme Santos Neves

As profundas transformações decorrentes do estabelecimento da corte no Brasil constituem um capítulo de reviravolta revolucionária na história do nosso país que ainda vivia imerso na placenta paquidérmica do período colonial. Aos efeitos dessas transformações não ficou alheia a então pobre e desprezada capitania do Espírito Santo.  Leia

 

Os primeiros imigrantes do Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

O genial José Carlos Oliveira elegeu o nome do cacique Maracajaguaçu (Gato Grande) como toponímico figurativo de Vitória.

No conto Mistério em Montagnola, incluído no livro Bravos companheiros e fantasmas, editado em 1985 quando o cronista capixaba participava, em seus últimos meses de vida, do projeto escritor-residente da Universidade Federal do Espírito Santo, diz lá pelas tantas o narrador: “Venho de Maracajaguaçu e vou para Heliorama.” Leia

 

François Biard, primeiro caricaturista do Espírito Santo

Luiz Guilherme Santos Neves

De 1858 a 1860, o pintor francês Auguste François Biard percorreu várias partes do Brasil. Dessa visita resultaria a publicação do livro Deux Annés au Brésil, no qual Biard descreve suas impressões de viagem, recheadas com croquis de sua lavra, ilustrados por Édouard Riou, renomado ilustrador daquela época. 

As impressões são destituídas de qualquer compromisso com a informação descritiva e histórica, diferentemente do que fizeram vários outros viajantes que estiveram no Brasil e no Espírito Santo, no século XIX. Leia

 

Um pedaço de história

Fernando Achiamé

A torta capixaba é capixaba. Da gema. Pois nasceu em Vitória. Aos poucos, com timidez, se expandiu para outros locais do Espírito Santo, principalmente os situados em seu litoral. Porém avançou a contragosto. Já o nome capixaba se espalhou por todo o estado e até mesmo para além de suas divisas; em Rondônia, por exemplo. Nosso prato não. É até ignorado no interior. Em Colatina faz-se mais torta de bacalhau, me conta um amigo. E outro garante: os nascidos na região do Caparaó somente conhecem essa especialidade vitoriense depois que saem de lá. Leia

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