O Espírito Santo vai a Paris: a Exposição Universal de 1889

Karulliny Silverol Siqueira

Uma das fontes mais instigantes para um pesquisador da história do Espírito Santo é, sem dúvida, a imprensa. Atualmente, um leitor curioso que acessa a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional pode, facilmente, passar horas a fio “folheando” jornais do século XIX. Os periódicos capixabas publicados nos meses finais do Império, por exemplo, nos revelam informações bem interessantes sobre um evento que movimentou toda a província em prol de um objetivo muito atraente: a participação do Espírito Santo na Exposição Universal de Paris, em 1889.

As exposições universais eram eventos grandiosos, criados a partir de 1851, que funcionavam como uma vitrine acerca das ideias de progresso e industrialização para todo o mundo, apresentando-se, ainda, como ponto de interseção de setores variados, como, por exemplo, a ciência, economia, artes e pedagogia, além de permitir que diversos países exibissem suas potencialidades em termos de matéria-prima para a indústria. O evento que ocorreu em Paris naquele ano foi, sem dúvida, um dos que provocou maior impacto mundial.

Foi nesta exposição que se comemorou o centenário da Revolução Francesa e, consequentemente, da República. Foi também para este evento que se construiu a Torre Eiffel. O Brasil, por sua vez, permaneceu por meses em um impasse se participaria do evento, mas, de última hora, confirmou seu lugar na exposição. Naquele contexto, era um dos poucos países monarquistas participando de uma festa “republicana”. O pavilhão brasileiro, é necessário dizer, não fora de fato subsidiado de forma oficial pelo governo, embora tenha recebido apoio incisivo de d. Pedro II que, inclusive, escreveu uma carta de próprio punho à organização do evento, pedindo que o pavilhão do Brasil ficasse bem próximo à Torre Eiffel. A representação do país, na verdade, foi fruto da atividade de uma delegação particular, formada por empresários e jornalistas.

E se o Brasil iria a Paris, os capixabas queriam ser representados. As notícias vindas da Corte, ainda em 1888, inquietaram os cidadãos da província. Foi a Sociedade de Imigração Espírito Santense, composta por grandes nomes locais, que se encarregou de liderar a participação do Espírito Santo na exposição de Paris.

Por meio doperiódico A Província do Espírito Santo é possívelacompanhar toda a movimentação para o evento. A dinâmica proposta era a seguinte: a província organizaria uma exposição provincial em novembro de 1888, composta por produtos locais. O objetivo da Sociedade de imigração, ao promover o evento, era incrementar a propaganda para a imigração estrangeira, demonstrando ao mundo as potencialidades do Espírito Santo. Os produtos e artefatos expostos passariam por um júri, e os destaques seriam enviados para a exposição nacional, na Corte, onde ocorreria a Exposição Nacional, uma prévia do que seria levado a Paris no ano seguinte. Pretendia-se também imprimir um livro de propaganda, escrito em diversas línguas, contendo detalhes minuciosos da província e exibindo as vantagens oferecidas aos imigrantes.

Foi em junho de 1888 que a comissão organizadora, composta por Dr. João Maia, Dr. M. P. Villaboim, Cleto Nunes, Daemon e tenente José Espíndula, chegou ao palácio do governo para fazer sua primeira reunião com o presidente de província, apresentando o esboço do de uma “Festa do progresso” na província e fazendo o pedido de 8:000$000 para subsidiar a exposição.

O administrador até demonstrou boa vontade com a comissão, mas remeteu à Assembleia Provincial a responsabilidade pelo patrocínio. O grupo resolveu não esperar pelo apoio do governo, e passou a unir forças entre os próprios provincianos para que a exposição se realizasse.  Na imprensa, a organização do evento dirigia seu apelo aos cidadãos capixabas:

Para os organizadores, era preciso que a sociedade capixaba manifestasse sua adesão à exposição, tanto pela participação, a partir do envio de produtos, como também com apoio financeiro. O evento movimentou intensamente a cidade de Vitória, contando também com a atuação de comissões em Cachoeiro de Itapemirim e São Mateus. Às senhoras coube a missão de angariar brindes que seriam vendidos em uma quermesse que ocorreria concomitante à exposição. Aos poucos, chegavam em Vitória diversos produtos para a quermesse: peças de crochê, almofadas, porta-joias, flores artificiais, brincos, toalhas e retratos do Imperador do Brasil. A organização das senhoras chegou a tal ponto que escreveram para Cristiano Otoni, que ocupava o cargo de senador pela província, solicitando um brinde. O político prontamente pediu à filha Theodora que bordasse uma bolsinha de seda, que foi, então, enviada a Vitória.

A partir de em 11 de agosto de 1888, por meio da imprensa, os capixabas foram convidados a enviar sua contribuição para a feira regional. O leitor, a esta altura, deve estar se perguntando sobre o que seria aceito como oferta à exposição. Pois bem, vamos à lista que, diga-se de passagem, era bastante curiosa. Os expositores poderiam enviar amostras de café, cacau, derivados da mandioca e da cana, madeiras, algodão, pedras preciosas, cipós, tijolos, couros e peles de animais diversos. Entre os produtos artesanais aceitavam-se rendas, crochê, bordados e peças de vestuário. Era possível ainda expor armas e utensílios indígenas, produtos de exploração de minas e metalurgia, produtos de explorações florestais ou produzidos em fábricas ou ferrarias, elementos agrícolas, produtos químicos e farmacêuticos, além de instrumentos de pesca, como redes, tarrafas e anzóis (A Província, 11/08/88 – n.01723). O transporte dos produtos até poderia ser um empecilho aos participantes, mas a Sociedade de Imigração conseguiu que a empresa de vapores do Sr. Miranda Jordão & Cia fizesse esse serviço gratuitamente.

Havia também uma comissão específica para ornamentação e decoração. Esta, por sua vez, parece ter provocado os ânimos locais. Não por ser concorrida. Ao contrário, pois, pelo visto, ninguém queria participar da mesma. Consta na imprensa que Dr. Ernesto Mendo declinou do convite para esta comissão. Já em outra edição de A Província do Espírito Santo, João Maia, presidente da Sociedade de Imigração, utilizou um bom espaço do periódico para se desculpar com Daemon e com tenente José Rodrigues Abreu. O motivo: os ditos senhores se ofenderam com a indicação de seus nomes para a comissão de ornamentação, pois não queriam figurar como simples “armadores” na grande exposição do progresso. João Maia, mostrando-se muito arrependido, explicou aos colegas que pensou no nome dos amigos por acreditar que para executar tal atividade era necessária boa dose de imaginação e gosto artístico.

Os planos para novembro não deram certo, não pela falta de braços na comissão de ornamentação, mas porque muitos expositores não conseguiram enviar seus produtos a tempo. Após toda a movimentação, desentendimentos e muita efervescência, a exposição foi finalmente inaugurada em 9 de fevereiro de 1889.

Na imprensa constam minuciosos detalhes do evento. Usando a imaginação, é possível que o leitor se sinta diante do portão do palacete, na Rua Afonso Braz, e atravesse os arcos que decoravam a entrada da exposição, enquanto do campinho, ouviam-se foguetes. O edifício era iluminado a gás em sua parte interna e externa e, ao redor, ornamentado com bandeiras e balões venezianos. Nas laterais do palacete foram construídos dois coretos para apresentações de músicas. A banda Caramuru e a Recreio dos Artistas, da Serra, fizeram parte do evento. Muniz Freire foi escolhido para fazer o discurso de abertura, exaltando os benefícios da exposição para o caminho do progresso da província.

As salas do palacete homenageavam personalidades que prestaram grandes serviços ao Espírito Santo. No primeiro andar estavam as salas “Engenheiro Pinto Pacca”, “Cons. Costa Pereira” e “Dr. Inglez de Souza”. Nelas estavam expostos produtos naturais, madeiras, bebidas alcoólicas, amostras de sabão, substâncias terapêuticas, espécies de animais e produtos de mineração. No mesmo pavimento havia um salão nobre, muito bem decorado, com uma mesa, um trono com a imagem do imperador, e na parede retratos do Visconde de Rio Branco, Buarque de Macedo e Costa Pereira. Em outra parede estavam os retratos de Vitor Hugo, José Bonifácio, General Osório, José de Alencar e Machado de Assis. Diversos retratos de membros da família imperial também figuravam nas paredes do salão.

No andar superior ficaram as salas “Dr. Marcellino Tostes” e “Henrique Deslandes”, onde estavam alocados os produtos da quermesse e a sala de produtos artísticos e industriais. Durante os dias de exposição ocorreram nove conferências no salão nobre. As falas versavam sobre a geografia da província, seus melhoramentos, instrução pública, imigração, finanças e agricultura.

A exposição provincial foi um grande sucesso de público. Durante aquela semana, contendas políticas foram até esquecidas, e os conferencistas, dizia a imprensa, estavam imersos em suas bibliotecas, preparando seus discursos. Expositores de diversas partes do Espírito Santo participaram com seus produtos. Mas o que, de fato, os capixabas queriam mostrar ao mundo? Foram enviadas muitas amostras de café, madeiras como jacarandá, ipê, peroba e pau-brasil. Havia também uma diversidade de tipos de cachaças, jenipapina, cervejas, sabão, parafusos, peneiras, flexas e machados indígenas, substâncias terapêuticas, seda, ninhos de passarinho, diversas espécies de animais, moedas de ouro, entre outros muitos produtos. Alguns tão singelos como uma almofada, e outros tão curiosos com uma planta e projeto de uma igreja.

Os produtos que se destacaram seguiram para a Corte e, de lá, para Paris, onde ficariam de maio a outubro em exposição. (1) A ideia da comissão local era, a partir do retorno dos produtos expostos, iniciar a composição de um museu capixaba, aos moldes do museu de Kensington, na Inglaterra (hoje, Natural History Museum). Em novembro de 1889, finalizado o evento de Paris, a imprensa prometia divulgar a premiação dos expositores, mas os capixabas viram outro evento invadir as páginas dos jornais. Já não se falava tanto da exposição, nem mesmo do museu. Era o fim da monarquia no Brasil.

Referências

A Província do Espírito Santo - Hemeroteca Digital (BN)

(1) Caso o leitor queira vivenciar ainda mais profundamente a Exposição de 1889, sugiro visitar o álbum do evento que está disponibilizado na Brasiliana Fotográfica (site da Biblioteca Nacional).

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