Sérgio Blank é uma pessoa muito conhecida e admirada por sua cultura, sua gentileza e ótimas atuações profissionais como promotor de lançamentos de livros, coordenador de oficinas literárias, inclusive para os pacientes com transtornos mentais do CPTT – Centro de Prevenção e Tratamento de Toxicômanos – e do CPAS – Centro de Atenção Psicossocial, instituições da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Vitória e eficiente funcionário da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. É sempre apresentado com o poeta Sérgio Blank.
Todavia, a poesia de SB é pouco conhecida e, por isso, insuficientemente valorizada e amada. E de que serve o reconhecimento de outras atividades, se ao poeta importa essencialmente o que é a razão de ser de sua existência: os poemas que escreve, a expressão versificada de seus mundos, sua poesia, enfim?
O primeiro livro de poemas por ele publicado foi Estilo de ser assim, tampouco (1984); o último, Vírgula, saiu em 1996. De entremeio, incluem-se: Pus (1987), Um, (1988) e A tabela periódica (1993).
Nascido em Cariacica, ES, no emblemático abril de 1964 (embora exista um quiproquó cartorial que o refere como ilhéu, originário de Maruípe), Blank sempre se opôs ao tradicionalismo enrijecedor, à disciplina niveladora dos comportamentos e ao arrefecimento das paixões. Seu itinerário no mundo da poesia é todo ruptura, rebeldia, curiosidade e espanto. A linguagem sangra e brilha entre os cortes da sintaxe e os tesouros do vocabulário; revela e esconde dores e frustrações; sempre transgressor mesmo se desvenda júbilos de amor – poucos – e momentos fugazes da mais comovente e solitária ternura.
Sua poesia – que é a biografia do poeta, segundo Octavio Paz – é um enlace de linguagens imprevisível e sofisticado a rumar sempre para a “desarrumação” – e aqui estou eu impregnada de blankismo –, viajando da ironia para o acordo afetivo, fazendo engalfinhar-se o antigo dos arcaísmos e a estranheza dos estrangeirismos como o novo e mais inusitado neologismo e o supra, o super “dialeto” da expressão capixaba. Sérgio Blank recebe ou renega influências literárias (os românticos, e.e.cummings , Emily Dickinson, autores de acrósticos, trocadilhistas, surrealistas e n outras fontes), mas mantém incólume seu visceral compromisso com a expressividade mais autêntica da linguagem poética.
Homossexual, a frequente impossibilidade da realização amorosa é o alimento do fogo da paixão. Já foi dito que se o homossexual não se perpetua na criança que poderia gerar, ele há de perpertuar-se no discurso, na linguagem, “essa matéria de que é feita a consciência que nos torna humanos.” (1)
Assim poetiza Sérgio Blank:
pode. invade meu domicílio
O cigar
ro que você chup
a me diz que
o importante é t
er charme. Vá, se
consome no apart
amento. Sábado o di
a todo, assis
te televisão. Nã
o me importa. Com
sigo lhe amar d
o mesmo jeito. Us
e todos produt
os possíveis. Tamb
ém assim quer
o você. Mesmo des
se jeito. Assim mo
rando em apart
mento. Não me
suporto sem v
ocê. (2)
O DIA DE DAR BANDEIRA
salve o lindo
com perdão da palavra
esperança a única que falece
deixe estar eu a acender
cigarros no posto de gasolina
frisar a presença da partner tristeza
tenderlizando o local
mais uma lanchonete
refrão:
verde yellow blue branco
ai como eu sou lindo
um bicho bem besta
uma gargalhada destrói três obturações
me levando a comprar
outra pasta dentifrícia
refrão:
verde yellow blue branco
viva a bandeira do brasil (3)
picles
com gim e rum
a dor no não e no sim
o ruim fio do pincel
qualquer traço com ou sem tom
que escreva uma sílaba
um trio diga um duo
o gosto da conserva do dia
num pote no peito do conservador
alheio a mim digno de ti
vinagre no hálito cru
fel que larga a pessoa nua
mas brio ou blue
têm quatro letras
em um ímã a escolher uma linha
a da rua ou até a de um ou de uma
sol ou lua à toa
sou gim e rum
que nem língua de minha boca
no céu da sua (4)
O MAR NA PONTE QUE ESTALA ÀS ESCONDIDAS
sonhei que um barco
um Drakkar com vários Vikings
passeava sob as cinco-pontes
mas agora – desperto – vejo um guindaste que pesca containers
o que há nos containers que caem no cais?
Uma esperança a mais ou a menos
dúzias de marinheiros ou peixes de bom tamanho
um certo estrangeiro com boas falas e outra língua
ou seriam feixes mais feixes de pontos de interrogação
da ponte que são cinco avisto a cidade de bruços
na noite que me resta e basta
eu luthier para novos instrumentos-acordes e rumos
admiro a cidade – ilha sem Crusoé
porto de dreams e minhas âncoras (5)
Pequena amostra de uma grande e intensa totalidade. Que venha a reedição da obra de Sérgio Blank: nós, ele e a poesia capixaba merecemos.
(1) Marcus Vinícius Rodrigues. “O corpo líquido: um estudo sobre a poesia de Eugénio de Andrade.” Inventário. Artigo 01. 2003. Revista do PPGLL da UFBA.
(2) Primeiro poema do livro Estilo de ser assim, tampouco.
(3) Pus. P. trinta & seis.
(4) A tabela periódica. P. 19.
(5) Vírgula. P. 47