O livro pragmático, ou seja, o livro que trata de um aspecto do comportamento humano,
como alcoolismo, gravidez precoce e consumo de drogas, entre outros, ou tema
de interesse da coletividade, como ecologia, solidariedade, ética, etc., tem tido
grande aceitação nas escolas como leitura paradidática. Desta forma, livros
indicados como de literatura trazem como interesse principal uma espécie
de matéria para o debate sobre os mais diversos temas.
O site Tertúlia ouviu vários escritores e educadores a respeito do assunto.
Eis o que pensam.
O livro pragmático (?) tem grande aceitação nas escolas, imagino eu, pelo fato de que tiram dúvidas encaminhando o leitor, no caso estudante, aos objetos da curiosidade deles. No mundo moderno, temas como alcoolismo, drogas, homossexualismo, racismo e outros ligados à ecologia, movimentos de combate às agressões à terra como o Green Peace e demais habitam o dia a dia de todos nós. Dessa forma, esse tipo de livro vai cumprir o objetivo de tapar uma lacuna na vida do estudante, quem sabe até mesmo de forma lúdica. A leitura paradidática é vista pelos estudantes como necessária e prazerosa. Em alguns casos, lúdica.
Eu já ouvi isso de alguns estudantes em conversas tidas com eles fora do ambiente escolar/estudantil. Num caso o estudante, filho de um amigo, dizia que as aulas das matérias curriculares eram “irritantes” quando se limitavam ao falatório do professor e às anotações de quadro negro. O interesse caía à medida que esse professor apenas falava e anotava, encaminhando o aluno aos textos do livro didático escolhido por ele ou pela escola. No caso do livro pragmático (?), ele tirava as dúvidas das imagens captadas na TV ou outro meio, sempre sobre assunto de tão grande interesse quanto os das grades curriculares. Um aluno de ensino médio chegou a dizer que assuntos relacionados aos livros paradidáticos deveriam constar das aulas com o auxílio de recursos audiovisuais que permitissem melhor entendimento das questões que levantam.
Por último, os alunos costumam comentar e discutir os assuntos abordados por essas publicações paradidáticas muitas vezes com mais ênfase do que fazem com as matérias curriculares, pois essas ficam guardadas para estudos em casa, geralmente em época de provas. As discussões acerca do conteúdo dos livros pragmáticos acontecem nas escolas mesmo, geralmente nos espaços entre aulas ou nos horários que as antecedem.
Acho que isso só confirma ser a literatura um veículo para o debate e construção de ideias sobre esse tipo de tema e outros. Há que se pensar, também, na função pedagógica das letras. Além, é claro, de uma tímida redescoberta do livro, ensaiada neste início de século, em que obras com esse tipo de temática podem ser mais palatáveis, fáceis de ler e, quem sabe, porta de entrada para outras, com maior grau de complexidade.
Eu penso que esses assuntos podem e devem ser tratados em sala. O que me parece o grande desafio é conseguir textos que tratem desses assuntos sem perder o pé da qualidade e de todos os aspectos desafiadores que um texto ficcional traz. Desafio ainda maior: que o "pragmatismo" não seja tamanho que, por dificuldade de lidar com textos poéticos ou "literários" mais desafiantes à sua sensibilidade de leitor e à dos seus alunos, o professor de ensino fundamental ou médio, ampliando o ciclo da sua própria má formação, opte somente pelos "pragmáticos", não deixando espaço à leitura de outro tipo de ficção - não vou usar aqui o termo literatura; menos ainda vou me referir a "clássicos", para que não se pense que é somente um tipo de leitura que defendo. Apesar de as barreiras serem muitas vezes tênues, um professor de língua e literatura não deve trocar o espaço (ainda) reservado à sua disciplina por um manual de botânica, de medicina preventiva ou de ética cidadã, por mais importantes que sejam esses temas na vida de um estudante. Parece a mim que o movimento deva ser inverso: o professor pode tentar descobrir, no vasto universo da literatura já existente e surginte, bons romances e contos e crônicas e poemas e canções que tratem, cada qual a seu modo, de assuntos que considera relevantes e que merecem ser tratados em aula.
Muito se escreve sobre o "comportamento humano". Esses textos, se restritos a um tema, sempre foram chamados de "ensaios" e, quase sempre, não têm outro embasamento além do que se passa nos miolos do escritor - coisa meramente opiniática. Ainda fica pior quando expressam o pensamento de uma "inteligência oficial". Isso não é bom.
Me deixa indignado, até assustado, saber que "vendem" esses livros pragmáticos como literatura, indiscriminadamente.
Não tenho preconceito ao manual de instrução, que essa "literatura" não passa disso, mas quais são os critérios utilizados nas escolas para a seleção desses livros paradidáticos? Coisa preocupante!
Considero muito importante para os alunos que cursam as séries do ensino fundamental e do ensino médio o contato frequente com livros paradidáticos (de qualidade, tanto literária quanto gráfica!) que tratem de temas ligados aos interesses coletivos. Tais obras certamente contribuirão para desenvolver o senso crítico deles, e conscientizá-los acerca dos desafios a que serão chamados a enfrentar na vida adulta, e que seus pais já vivenciam. Também considero imprescindível que tais alunos leiam obras de literatura adequadas ao seu amadurecimento intelectual, e que possuam belos textos e, eventualmente, bonitas ilustrações. Os bons livros de literatura são decisivos para que os futuros cidadãos aperfeiçoem seu gosto estético. O que não pode acontecer, nem deve, é uma confusão entre esses dois tipos de obras. E ressalto que elas não se anulam entre si. Ao contrário, se complementam. Todos os recursos justos e eficientes são válidos para despertar nos jovens o prazer e o gosto pela leitura.
Ler é, sempre, essencial. E, na escola, cabe todo tipo de leitura. Há livros informativos, educativos, recreativos. A literatura tem a extraordinária capacidade de atuar em todas essas áreas. Um romance do Machado de Assis, um conto de Guimarães Rosa ou um poema de Drummond podem trazer contribuições aos domínios éticos, morais, filosóficos, sociais, etc., sem prescindir dos estéticos.
A questão proposta é complexa, pois coloca a literatura em interface com outros campos (mercado editorial, escola, políticas educacionais) que nem sempre se movem pelos mesmos valores e propósitos que ela, a literatura. A reboque, a provocação traz uma celeuma quase tão antiga quanto a própria literatura: sobre as funções (ou não) da literatura. Horácio, em sua Arte poética, já adverte que o livro de valor é aquele que “mistura o útil ao agradável, deleitando e ao mesmo tempo instruindo o leitor”.
Tão ou mais longeva que a máxima horaciana, também é a presença da literatura na escola, como forma de aprendizado e de ensino. Roland Barthes, com quem concordamos, afirma que se por “excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as outras ciências estão presentes no monumento literário”.
Reconfigurando a ideia de Barthes, só mesmo por um excesso de barbárie é que poderíamos acreditar que podemos privar crianças e adolescentes do direito à literatura e toda a gama de experiências e conhecimentos que ela pode proporcionar. Se nós professores não nos interpusermos entre a criança e os livros já estaremos fazendo alguma coisa, embora precisemos fazer muito mais e melhor na condução do ensino "de literatura" ou "com literatura" nas escolas.
Quanto aos livros paradidáticos (aqueles que servem para ensinar conteúdos e valores), sua produção se intensificou, no Brasil, a partir de 1997, como demanda estimulada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e sua proposta para o ensino, pautada pela interdisciplinaridade e pelo compromisso com os chamados temas transversais. Esses livros não concorrem com o livro de literatura e têm seu lugar na biblioteca escolar que precisa oferecer a diversidade para que, por meio da escolha, o sujeito leitor se instaure.
É fora de dúvida que a escola, no seu sentido amplo, notadamente no ensino fundamental e médio, tem dado grande ênfase às temáticas diretamente relacionadas com as diferentes atitudes do comportamento humano, sobretudo as que dizem respeito à conscientização dos jovens para os riscos das drogas, da gravidez precoce e do alcoolismo, ou às temáticas que os predisponham, desde cedo, para atitudes proativas para com o meio ambiente, a ética, a solidariedade entre os homens e o respeito para com o outro. São temas de importância fundamental na educação das novas gerações de brasileiros e que devem ser abordados sempre que se apresente a ocasião. A questão que é colocada para reflexão é a de se saber até onde os livros ditos de literatura podem também se revestir do valor paradidático na abordagem das questões anteriores, o que, por óbvio, lhes atribuiria idêntica função educativa. Penso que a resposta é favorável, em favor dos livros de literatura. Mas penso também que a escolha desses livros implicará a necessidade de uma seleção criteriosa e competente que não deprecie os aspectos estéticos da obra literária, se posta a serviço de outros objetivos, por mais justos que sejam. A estética literária, ou a arte literária, se preferirem, tem valores próprios que merecem ser ressaltados independentemente de quaisquer outros compromissos, no processo de formação educacional dos nossos jovens.
Não sou radicalmente contra nenhuma iniciativa de leitura. Observo que as editoras têm tentado facilitar a vida dos professores com apresentação de obras de pretensa literatura com temas transversais – algumas delas chegam deixar bem claro, na capa do livro, qual o tema de que tratam. Sem querer discutir o mérito literário da maioria desses livros, acho que eles cumprem sua função, como cumpriria qualquer matéria de jornal ou revista no que concerne à leitura e aos temas do dia a dia. A adoção desses livros, chamados "pragmáticos", não deveria significar, no entanto, a substituição de livros de literatura que, da mesma forma, mas com o ingrediente estético que enfeita a atividade da leitura, permitem a discussão de diversos temas ligados à vida das pessoas. Sem esquecer que, muita vez, a literatura, deseducando, educa muito mais que qualquer livro bem intencionado.
Respondo a partir de minha experiência de pai: nunca nenhum de meus quatro filhos leu com interesse ou prazer qualquer desses livros cheios de "boas intenções". Lembro-me, por exemplo, do repúdio de meu filho mais novo ao conceito de ecologia depois de obrigado a ler um desses livros paradidáticos. Lembro-me, também, do prazer com que leu Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne, adotado pela escola - e imagino como lhe fez bem à cabeça e ao coração e como terá contribuído, sem que ele nem notasse, para despertar nele o amor e o respeito à natureza, sólido fundamento para uma consciência ecológica.
Meu olhar de professora e de estudante considera que o paradidático é útil para o apoio de conteúdos da aula. Por exemplo, em uma aula sobre aspectos do Barroco, é necessário que o professor recorra a obras ou trechos de obras literárias, a fim de que o aluno perceba os traços característicos em poemas como os de Gregório de Matos. Mas onde encontrar essas referências? No livro didático. Mas, atualmente, não só o livro didático é aliado, mas também os livros encontrados na íntegra em plataformas digitais, nos blogs e em sites diversos. Com a leitura literária, não é diferente. Assim como existem livros de textos mais direcionados a temáticas "pragmáticas", como se expõe, há também outros que tangenciam temáticas, desencadeiam discussões, como é A hora da estrela, de Clarice Lispector. Nele, Macabéa pode ser vista (analisada, interpretada, discutida, revisada) como nordestina, retirante, excluída, desalinhada, mulher, etc. Daí, dessas ramificações, podem surgir discussões diversificadas. Basta que o professor faça uma leitura direcionada e assistida, ou seja, leia com os alunos, e também recorra a outros textos (como o próprio livro didático e paradidático). Assim, uma prática não anula a outra.
Eu penso que temas de interesse da coletividade podem ser discutidos em livros de literatura juvenil e usados nas escolas. Existem vários exemplos de qualidade que comprovam isto. Assim, ao mesmo tempo em que, por exemplo, ecologia, alcoolismo, gravidez na adolescência, ética são trabalhados, os encantos e a magia de ler literatura também estarão presentes. Não faz sentido usar o livro pragmático em escolas, a não ser que ele seja um instrumento auxiliar da obra literária, o que vejo como desnecessário, afinal, as informações técnicas sobre tais assuntos estão disponíveis em sites, livros didáticos e outros mecanismos disponíveis que o professor pode usar.
Os livros paradidáticos que, não sendo propriamente didáticos, são utilizados para esse fim, são constituídos de informações objetivas sobre um determinado tema. Tais livros podem utilizar aspectos mais lúdicos que os didáticos. Dessa forma, podem ser eficientes do ponto de vista pedagógico. Recebem esse nome porque são adotados de forma paralela aos livros didáticos convencionais, sem substituí-los.
Creio que a literatura paradidática - com o objetivo de despertar o interesse e o prazer pela leitura - seja válida como forma de complementação dos livros didáticos, que nem sempre despertam tal interesse.
O trabalho tradicional das escolas com livros didáticos em nada tem despertado o gosto pela leitura. Os livros paradidáticos, por meio de uma história inventada abordando diversos temas (ecologia, astronomia, minorias sociais, costumes, família, religião e outros), pretendem ensinar, divertir e passar algum tipo de lição ou informação de forma objetiva e esclarecedora, além de estimular o prazer de ler.
Devo acrescentar, porém, que diante da complexidade da transformação de uma pessoa em um leitor crítico, a popularização da leitura como arte requer muita perseverança.
O compromisso da literatura de ficção é com a linguagem. Li e ouvi isso tantas vezes, de tantos autores e críticos, que adotei como regra primeira – seja como leitor, seja como pretenso autor. A ficção pode, claro, ser um veículo de informação, conter História. Porém, a escrita que prioriza o didatismo acaba com o que há de mais prazeroso na leitura: o mistério da palavra, a busca pelo subtexto. A moral da história mata a polissemia. Não dá espaço para a imaginação. Literatura de ficção pode ensinar algo, mas não servir a esse propósito. Deixemos o pragmatismo para os livros didáticos, os manuais, os jornais. A literatura de ficção é feita para outras verdades. Particularmente, prefiro a literatura que "desensina", subverte, provoca.
Para início de conversa, o livro didático sozinho não é suficiente num processo de ensino e aprendizagem. Primeiro porque, geralmente, ele é composto de fragmentos de outros textos organizados em prol de um determinado discurso. Depois, em consequência deste mesmo discurso, o livro didático, de certa maneira, retira tanto o professor quanto o aluno dos seus papéis de sujeitos no processo de construção de significados a partir da leitura, limitando-os a uma condição passiva e de meros receptores. Mas se um livro didático sozinho não é suficiente num processo de ensino e aprendizagem, não convém acreditar que o melhor caminho seja colocá-lo em companhia de um livro paradidático ou pragmático escrito sob encomenda para simplificar os caminhos da interpretação e criação de significados. A melhor companhia para um livro didático é a literatura, porque a literatura está para além do livro e não deve ser tomada de forma utilitária, ou seja, ela se dá na liberdade que tem o leitor de, juntamente com o autor e a cada lida, escrever uma nova história.