O Espírito Santo é um Estado cuja riqueza histórica é refletida em sua cultura de vários matizes. Apesar de sua pequena extensão territorial — é o quarto menor Estado do Brasil —, sua diversidade cultural e étnica ajuda a entender um pouco do lugar que mereceu, no romance clássico de Graça Aranha, chamado de Canaã, a terra prometida dos hebreus. Da antiga capitania governada pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho até os dias de hoje há muita história para contar do Estado que foi chamado pelo cartunista mineiro Ziraldo de “o ateliê de Deus”. Um pouco desta história está retratada na coleção Biblioteca Capixaba, publicada pela Editora Nova Alexandria, que reúne desde infantojuvenis até abordagens históricas, novelas, romances e biografias, com ênfase na interdisciplinaridade e na interface entre história e literatura.
Colonizado pelos portugueses a partir de 1535, quando, em suas praias, aportaram os padres jesuítas para implantar sua fé e religião, o Espírito Santo conserva no seu nome as marcas da tradição católica. Dos jesuítas, o mais famoso deles foi o padre José de Anchieta (1534-1597), que escolheu o Estado para sua última morada. Do trajeto que fazia a pé da aldeia de Reritiba, cidade que hoje tem o seu nome, até o Colégio dos Jesuítas, em Vitória, onde foi enterrado, surgiu a tradição dos Passos de Anchieta, contada em uma novela juvenil por Francisco Aurelio Ribeiro, da Academia Espírito-Santense de Letras e coordenador da coleção.
Do século seguinte ao da colonização portuguesa, há a extraordinária história da jovem Maria Ortiz, provavelmente a primeira heroína brasileira, que liderou a população de Vitória contra a invasão dos holandeses, em 1625. Quem conta a história é a escadaria que, hoje, tem o seu nome. Escrita pela capixaba Neusa Jordem Possatti, a aventura de Maria Ortiz é rememorada no belo livro infantil História de uma escadaria, cujas ilustrações são assinadas por Valeriano, em um rico trabalho de reconstituição histórica.
E, da tradição dos índios tupiniquins, ficaram a arte e a técnica de fazer a panela de barro, difundida no bairro de Goiabeiras, em Vitória, sem a qual não existiriam a fama e o sabor da moqueca capixaba, famosa em todo o Brasil. O trabalho das paneleiras de Goiabeiras foi reconhecido pelo IPHAN e é um dos patrimônios imateriais do povo brasileiro. A história da panela de barro, contada a partir da experiência de Luci, uma menina que visita a avó, que mora em Vitória, pode ser lida em Que panela esquisita de vovó Rita!, de Ercilia Simões Braga, com ilustrações de Adriana Ortiz.
Voltado também para o segmento infantojuvenil, o livro Meu querido diário, traz ternas lembranças da infância da autora Yedda Moraes (Yayá), natural de Cachoeiro de Itapemirim. As passagens mais marcantes são recontadas por meio de bordados da própria Yedda, que assina o livro em parceria com seu filho Fabiano Moraes, em belo projeto gráfico de Jeasir Rego.
Outra grande riqueza do Estado são as tradições populares, em suas mais variadas manifestações, estudadas por Guilherme Santos Neves e Maria Stella de Novais. As Lendas do Folclore Capixaba se originaram da profunda miscigenação ocorrida no Espírito Santo entre índios, negros e portugueses, daí sua riqueza e diversidade retratadas em cordel pelo Marco Haurélio, poeta popular e folclorista. Em cordel também é a adaptação de Canaã, obra-prima do escritor maranhense Graça Aranha, pelo consagrado repentista Geraldo Amâncio, que narra os primórdios da imigração alemã no Espírito Santo.
Para o mesmo público, o renomado escritor capixaba Luís Guilherme Santos Neves escreveu dois livros que abordam fatos históricos de grande importância para a compreensão da atual realidade do Estado. Duas histórias fascinantes traz o relato de dois episódios da história local, de grande dramaticidade. O primeiro, A revolta do Queimado, trata da história real do grupo de escravos que, durante um ano, trabalhou na edificação de uma igreja, esperando, em troca, a alforria, que não veio. O segundo revive a epopeia de Bernardo José dos Santos, o Caboclo Bernardo, que, na madrugada do dia de 7 de setembro de 1887, arriscou sua vida para salvar a tripulação do Cruzador Imperial Marinheiro, um dos mais novos barcos da Marinha de Guerra Brasileira, que chocou-se contra o pontal sul da barra do Rio Doce.
Escrito por Vanda Luiza de Souza Netto, o livro Os povos que formaram a minha terra: índios, negros e portugueses descreve quem eram os primeiros habitantes da terra, enfocando o choque cultural e de interesses que formaram a base do povo capixaba. A autora reconta a trágica história dos índios botocudos, que, mesmo sendo excelentes guerreiros, não resistiram ao invasor português, que queria escravizá-los, resultando em massacres e emboscadas. A busca por mão de obra gratuita levou os portugueses a buscarem, nas colônias da África, tribos inteiras, não poupando nem reis e rainhas negros, reduzidos, no Brasil, à condição de escravos.
As demais etnias formadoras do povo e definidoras da identidade capixaba foram arroladas por Francisco Aurelio Ribeiro na obra Os povos que formaram a minha terra: alemães, italianos, tiroleses, suíços, poloneses, holandeses e pomeranos. A obra relata, de forma esclarecedora, a imigração dos vários povos da Europa, além dos libaneses, que, entre os séculos 19 e 20, escolheram o Espírito Santo como a sua nova terra. Fala das dificuldades e do desbravamento e colonização das serras capixabas, mostrando também a importância na formação da cultural e histórica do Estado.
No mesmo campo, a história, destaca-se a obra Luta armada no Brasil, obra que faz um balanço crítico da fase em que a firmeza das convicções políticas tirou de muitos jovens a condição humana. Escrito pelo capixaba Vitor Amorim de Angelo, este livro essencial traz indagações como esta: como não se sensibilizar com os sacrifícios pessoais dos que pegaram em armas para lutar? Atrás de cada partido, cada organização, cada sigla, havia homens e mulheres, pessoas normais, de carne e osso, que sentiram na pele a dureza da vida clandestina, do isolamento social e da repressão do regime de exceção que, por 21 anos, infelicitou o Brasil.
Maria Stella de Novaes, Augusto Ruschi e Paulo César Vinha são Os amigos da terra biografados por Silvana Pinheiro Taets em um livro que mostra que a luta pela preservação da vida e da natureza tem gerado, ao longo do tempo, discussões e debates acalorados, principalmente porque a causa ambiental confronta interesses econômicos e a noção distorcida que se tem do progresso. Este livro narra a trajetória destas três personalidades capixabas cujo pioneirismo nas questões ligadas ao meio ambiente é motivo de orgulho para os brasileiros.