É esse mesmo o título que dou, indo direto ao sujeito: uma obra-prima na literatura brasileira produzida no Espírito Santo.
Eu, depois de muitos anos a morar na Europa, especificamente na Bélgica, vejo-me a descobrir alguns autores e obras do lugar de onde venho: o estado do Espírito Santo, no sudeste do Brasil. É um estado pequeno e sempre à sombra da força cultural dos estados com os quais faz divisa: MG, RJ e BA.
Mas o que isso tem a ver com o livro?
Acontece que o poder econômico e cultural desses estados, como de outros como SP, no sudeste, sempre foi motor de propulsão, também, na literatura. O maior expoente literário do ES, a nível nacional, foi o escritor Rubem Braga.
E como ia dizendo... Agora estou redescobrindo uma literatura brasileira escondida, todavia, de excelente qualidade e faço questão, de alma e espírito, falar dela, divulgar o quanto eu puder. Sim, serei crítico quando necessário, mas neutro.
Dos livros que tenho lido por esses dias (e alguns neste ano de 2024), posso sem dúvida afirmar que A tarde dos porcos é uma obra-prima escondida e que o Brasil precisa descobrir. E aí vem a questão da força cultural e influência dos estados citados. Fosse o escritor Pedro J. Nunes nascido em um deles, já teria a obra no selo de uma grande editora e ganhado o Brasil.
A tarde dos porcos traz um mesclado de estilos literários que ora lembra Campo geral (de Guimarães Rosa), ora A revolução dos bichos (de G. Orwell), ora algumas dessas personagens de Monteiro Lobado de lendas populares.
O livro é tudo isso e ao mesmo tempo é de uma beleza e qualidade que o torna único na literatura brasileira produzida no Espírito Santo. É só uma questão de tempo para ganhar status de clássico.
Pedro J. Nunes é membro da Academia de Letras Espírito-Santense e tem vários livros em sua autoria. Mas falamos de A tarde dos porcos por enquanto...
A narrativa que o autor imprime ao texto é leve, prazerosa e bem construída. Mesmo a geração nova, avessa a parágrafos longos, amará o livro e, certamente, quem leu A revolução dos bichos. E quem pensar em ler a obra pensando ser um cópia, se verá enganado, mas prazerosamente enganado. Pois A tarde dos porcos só tem o sítio em comum e os porcos. Narrativas, textos e enredos totalmente diferentes. São conectados, entretanto, por serem estórias centradas em animais. Fábula? Quase-fábula? Deixo isso para o leitor descobrir. Mas há, também, algo lírico e sublime como em Campo geral. Pedro J. Nunes também parece gostar de uns vocábulos nada comuns e isso só enriquece o texto e o leitor certamente agradecerá por melhorar o próprio vocabulário.
A obra gira em torno de um porquinho que, quase certo a morrer, sobrevive às dificuldades do nascimento. A partir daí, Pedro J. Nunes é sublime em construir uma quase-fábula, com um metafórico texto, que ora nos faz refletir questões existenciais sobre necessidade, amor, alimento, mundo dos adultos vs mundo das crianças, respeito vs obediência, etc.
A narrativa é curta, mas deliciosamente construída. Aliás, com exceção de A vida de Pi, os livros que cito aqui têm essa característica. O que demonstra um domínio e precisão na arte da narrativa e construção de um texto fantástico, como só grandes escritores conseguem em alguma(s) obra(s).
A tarde dos porcos é um texto que cresce em cada página e o leitor tem o prazer em virar cada página e capítulo.
Indico o livro a todos. Principalmente para quem gostou de A revolução dos bichos (Orwell), A vida de Pi (Marthel), Max e os felinos (Scliar), O velho e o mar (Hemingway) e Relatos de um náufrago (Garcia Marquez).
O que todos esses livros trazem em comum é: elemento do mundo natural como um animal, um oceano ou um lugar longe de centro urbano para abordar questões sobre a vida e, claro, uma prazerosa leitura.
Se Pedro J. Nunes queria isso com A tarde dos porcos, conseguiu. E sua obra, mesmo ainda sem ter o espaço que as obras acima têm, cedo ou tarde há de ser descoberta pelo restante do Brasil, assim como eu acabo de descobri-la.
Uedison Pereira nasceu no ES, mas mora na Bélgica desde 2002. É autor de O leão e as hienas e outras estórias.