Respondendo ao honroso convite que recebi do autor deste livro, Juca Magalhães, para escrever o prefácio do seu “Da Capo”, aqui deixo algumas impressões do que foram esses cinco anos e quatro meses que passei em Vitória, entre 1976 e 1981 e dos quais guardo gratas recordações.
As minhas primeiras palavras só podem ser de vivo aplauso para o autor - pela sua coragem em meter ombros a uma tarefa tão complexa de pesquisa e registro sobre uma instituição que começou a ser formada pequena e despretensiosa e se transformou no prestigiado órgão cultural que é hoje.
Do seu trabalho resultou um documento histórico de grande valia.
E ao voltar no tempo, logo me vieram à memória as duas primeiras pessoas que me acolheram e que foram decisivas para o meu estabelecimento profissional em terras capixabas. São elas, a Profa Beatriz Abaurre (ao tempo, Presidente da Fundação Cultural do Espírito Santo), e a Prof.a Vera Camargo (no momento, Diretora da Escola de Música do Espírito Santo). Para elas, as minhas homenagens.
Lembro-me também, naturalmente, daquele concerto realizado em março de 1976, no Theatro Carlos Gomes, com um conjunto de câmara e solistas - primeira semente de uma futura grande árvore.
Depois vieram-me tantas outras imagens de amigos e amigas que até hoje recordo com saudade e gratidão, pelos momentos que passamos juntos na Arte da Música, vivenciados em aulas, em ensaios e em concertos, e levada aqui e ali, tendo sempre como objetivo a divulgação cultural e o engrandecimento do ser humano.
Naquela época ninguém ousaria pensar para valer na fundação de uma orquestra profissional de formação sinfônica, pois se o dinheiro já era tão escasso para uma orquestra de câmara (mais tarde clássica), e ainda um coral, o que dizer então para uma instituição de maiores ambições?! E este episódio é bem ilustrativo.
Um dia o Senhor Governador do Estado do Espírito Santo, o Dr. Élcio Álvares, que sempre nos apoiou, pediu-me que elaborasse um projeto para a criação de uma Orquestra Sinfônica, seu desejo antigo. Quando terminei de arquitetar esse plano e vi quanto isso poderia custar, dei-me conta da enorme distância de orçamento que o separava da realidade financeira da época. Então, além desse esquema, elaborei mais dois: o de uma Orquestra de Câmara com 18 elementos e o de um Quinteto. Ele aprovou o Quinteto!
É sabido que na maioria dos casos as orquestras sinfônicas profissionais são deficitárias em todo o mundo. Elas necessitam de apoio de instituições oficiais, de empresas privadas, de contribuições individuais ou de todas estas formas de auxílio em conjunto para poderem sobreviver. O dinheiro dos ingressos para os concertos nunca é suficiente e, no nosso caso, as apresentações eram sempre de entrada franca.
Algumas vezes pudemos contar com uma verba extra da FUNARTE (Fundação Nacional de Arte), através do Instituto Nacional de Música, para realização de concertos no interior do Estado. Essas temporadas eram nos segundos semestres e aconteceram por duas ou três vezes.
Por este projeto, chamado de “Interiorização da Cultura”, viajávamos quinzenalmente e assim os nossos espetáculos musicais - principalmente constituídos de apresentações com solistas, coro e orquestra - foram levados às cidades de Nova Venécia, Conceição da Barra, São Mateus, Colatina, Pancas, Linhares, Aracruz, Viana, Serra, Guarapari, Afonso Cláudio, etc. Além destes havia, naturalmente, outros concertos que se realizavam em Vitória e por vezes em Vila Velha.
No intuito de divulgar a bela música de concerto para públicos muitas vezes distanciados desse gênero artístico, os nossos espetáculos eram sempre apresentados de uma forma didática - com explicações sobre os autores, as peças musicais, os instrumentos, enfim, era um empreendimento dirigido à formação de plateias.
Foram anos de muito trabalho e também de bons frutos artísticos que, segundo sei, duram até hoje, pois alguns de nossos colaboradores desse tempo, coralistas e instrumentistas, são atualmente professores de música e até regentes de corais.
Mas se, realmente, não contávamos com salários profissionais, posso afirmar que profissionalismo havia, sim, e muito - na exigência musical nos ensaios e nos concertos, no rigoroso cumprimento dos eventos anunciados, na preparação das viagens e dos locais de apresentações, no aprumo dos uniformes, enfim, no enorme respeito ao público que sempre nos prestigiava.
Assim, quando o Sr. Marien Calixte, que conhecia e apreciava o nosso trabalho, teve a ousada inspiração de destinar um salário mínimo para cada instrumentista, ele proporcionou um verdadeiro refrigério às contas da Orquestra, pois isso representava uma retribuição financeira muito maior do que até então era disponibilizado pela Fundação Cultural do Espírito Santo e serviu de base para futuras melhorias salariais. Palmas para ele!
Este livro conta também a história das transformações que se seguiram e dos vários regentes que estiveram à frente da Orquestra, até se chegar aos dias de hoje, onde o Maestro Helder Trefzger - meu amigo e ex-aluno - há vários anos transmite a sua arte com energia e competência - e eu lhe desejo um futuro brilhante, pessoal e profissional.
A Orquestra Filarmônica do Espírito Santo está aí, viva e atuante. Parabéns a todos os que a fizeram assim; e aqui expresso os meus votos para que continue pelos tempos vindouros em constante progresso.
A terminar este prefácio, só posso dirigir-me ao grande Maestro do Universo que com sua maravilhosa batuta “rege o bailar dos mundos e o cantar das galáxias”, e dizer:
“Obrigado, Senhor! Por teres permitido que aquela pequenina semente pudesse ter encontrado um solo fértil para germinar!”
- Vítor Marques Diniz
Campo Grande, MS, setembro de 2011.