A simplicidade, o prazer em lidar com a palavra, o amor pela poesia. As características da obra de Gilson Soares se conjugam e resultam em um texto até difícil de definir, dados os aspectos tão variados em que se manifestam. De fato, a leveza da linguagem, por um lado, cai muito bem à delicadeza de alguns temas, acabando por elevá-los, como se vê quando ele conta ao leitor que uma flor se abriu.
No extremo oposto, a poesia do autor contrasta aparentemente com a aridez de alguns temas, mas sua doçura instransigente acaba por domar de forma surpreendente qualquer fantasma, como se dá com a passagem inexorável do tempo.
Como diz Gilbert Chaudanne no prefácio, a poesia de Gilson é um amor contido. A contenção vem possivelmente dessa incansável busca pela simplicidade. E ao mesmo tempo em que busca o simples, o poeta procura obsessivamente a palavra certa, aquela que com simplicidade atinja a profundidade desejada.
A reedição de Canção da meia-idade dá ao leitor a oportunidade de testemunhar um momento muito expressivo da carreira de um poeta perfeccionista. O livro esteve muito tempo esgotado e agora retorna trazendo consigo uma sucessão de diálogos intermináveis com diversas esferas, espalhados pelo tempo e pelo espaço.
Uma poesia do ser que aqui está. Por isso não é metafísico, é algo tangível, cotidiano com, entretanto, uma presença ontológica: a do tempo incompreensível que passa.
A casa, a mulher, a flor. A flor sobretudo como abertura do imponderável que é criadora de beleza. Nesse mesmo registro: a moça, a mulher na sua leveza como broto ou como flor desabrochando, se abrindo no seu próprio caminhar. Mas não há esse lirismo bobo das flores e das estrelas. Um lamartinismo ao 3º grau, causa das poesias babacas de estrelinhas, de amorinhos-coraçãozinhos. Gnan gnan gnan.
O poeta não é um sonhador. Cesário Verde e Fernando Pessoa mostraram que ele é o guardador dos parafusos. A poesia é uma casa de ferragem e não uma hierarquia celeste. Há tanta poesia numa sopeira quanto numa estrela. Como diz Gilson: o mundo da estrela é o mundo dela e o nosso é o nosso. Não há ponte entre os dois a não ser a estranheza, no melhor dos casos, ou o divórcio absoluto. Ninguém casa com as estrelas. (Fora em Hollywood, claro).
A estranheza de estar no mundo está ali, nesta poesia. Mas há um carinho latino para as coisas apesar da sua estranheza. Um carinho que não é sentimental. Só os bêbados e as histéricas acham que ele é sentimental. É uma poesia que pode lembrar Rilke, João Cabral de Melo Neto sem a secura e a “metalidade”, a presença cortante do metal, neste caso.
Gilson Soares não dispensa uma certa conivência terna com as coisas, com os seres: uma ternura apolínica que não cai no sentimentalismo glandular nem na secura fria do metal. Para Gilson, a Meia-idade é isto: o meio de tudo, o meio-dia, lugar de equilíbrio do sol e da consciência dura que não perdeu a ternura, na mão de Apolo.
O sentimentalismo é o crepúsculo: sangue de sol, encenação da morte sangrenta – suicídio do sol.
A poesia de Gilson Soares é um amor contido para as coisas e os seres. Nesse sentido, é clássica porque também simples e profunda ao mesmo tempo como um quadro de Georges de la Tour.
Nada de literatice-enche-linguiça - é a cerimônia da linguagem que está aqui desabrochando com uma tranquilidade que remove mais os obstáculos do que todas as revoltas.
Texto publicado em A Gazeta, 27 de junho de 1999.