Rockrise: uma biografia roqueira

Eliane Lordello

Escrevo esta resenha ouvindo a Rock Radio, uma das rádios exclusivas de rock da Eslovênia, que eu escutava direto em minha temporada lá. Portanto, estou no clima para resenhar esta biografia roqueira do jornalista, biógrafo, escritor, gestor público, José Roberto Santos Neves.

Desde já admito: sim, sou uma roqueira, mas do tipo ouvinte, não tenho o dom de José Roberto para a bateria, nem tampouco o de nosso confrade Getúlio Marcos Pereira Neves para a guitarra. Mas sou uma ouvinte de longa estrada, tendo em meu repertório muitas viagens para ver shows, de, entre outros músicos e bandas, David Bowie, em Curitiba; Uriah Heep e Nazareth, em São Paulo; e, no Rio de Janeiro, Bob Dylan,  Rolling Stones, U2. Este último me deu a oportunidade de conhecer o nosso José Roberto.

Foi assim: como editor de A Gazeta, ele me entrevistou para uma matéria sobre a turnê U2 Pop Mart no Brasil, e as caravanas e excursões que de Vitória partiriam para ver o show. Foi uma entrevista muito agradável, se estendeu sobre outros shows que eu tinha visto e, no fim, José Roberto quis saber se o U2 era minha banda preferida, ao que eu imediatamente repliquei: o Led Zeppelin é a minha banda preferida. José Roberto, então, confessou: é a minha também! Veio o U2, e, na viagem, conheci pessoalmente o biógrafo roqueiro e sua esposa Daniela.

Eis me aqui, agora, tendo a alegria de resenhar Rockrise: a história de uma geração que fez barulho no Espírito Santo. Sendo José Roberto e eu de uma mesma geração, é natural que  tenhamos assistido a shows dos roqueiros locais, frequentado as edições do Rock Lama, e visto o filme de Dan Zechinelli – Ilha do Rock. Podemos falar, inclusive, de lembranças antológicas, caso dos shows de bandas como Thor, Porrada!!!, Pó de Anjo, Combatentes da Cidade, Viúva Negra e, para não mais me estender – The Rain, esta última integrada por José Roberto. Lembranças queridas, sim, mas aqui devo encerrá-las, para poder falar mais propriamente da atilada pesquisa que resultou neste livro de José Roberto.

Sua biografia roqueira se inicia por uma linha do tempo que começa em 1955 e termina em 1995, cobrindo um audacioso espectro de 40 anos de rock and roll. Assim, abrange desde a iniciática versão de Rock Around The Clock, gravada por Nora Ney como Ronda das Horas, em 1955, até as gravações de bandas locais em 1995, entre elas: Siecrist, Tribal e The Rain. Neste recorte, passa por nomes da maior importância precursora, como os de Aprígio Lyrio e do grupo Os Mamíferos.   

Além de biografias de várias bandas, de diferentes formações e seus discos, a abordagem abraça, igualmente, as condições culturais de Vitória e do Espírito Santo, as personagens locais que propiciaram eventos como o Festival de Guarapari (1971); o show de Rick Wakeman no Ginásio Dom Bosco (1981), e o I Festival de Coqueiral de Aracruz (1984). Contempla ainda, a movimentação roqueira em meios diversos, como o rádio, com o programa Domingo Rock (1983), e obras literárias também biográficas como O Livro do Pó (sobre a banda Pó de Anjo).

Mais que biográfico, o que já é muito, pode-se dizer que este trabalho de José Roberto é memória, no sentido benjaminiano, senão vejamos: Walter Benjamin, ao comentar a obra fundamental de Marcel Proust, A la Recherche du Temps Perdu, afirma que o importante para o autor que rememora “não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência. [E se pergunta:] Ou seria melhor falar do trabalho de Penélope do esquecimento?” (1)
Contemporizando, nos lembra o filósofo alemão: “Cada dia, com suas ações intencionais e, mais ainda, com suas reminiscências intencionais, desfaz os fios, os ornamentos do olvido”.(2) Nisso reside para Benjamin o porquê de Proust ter transformado seus dias em noites, de modo a não ser interrompido, e assim não deixar evadir nenhum “dos arabescos entrelaçados”.

Tomando o sentido de tecido que a palavra texto tinha para os romanos, afirma que nenhum texto é mais tecido e de forma mais densa que esse de Proust, em cujo método de trabalho “a lei do esquecimento se exercia também no interior da obra”. (3) Por essas e outras razões dessa ordem, é que Benjamin considera que somente Proust fez do século XIX um século para memorialistas.

Rockrise é pura memória, e sua contribuição para cultura é de âmbito nacional,  revelando um Espírito Santo que muito tem a dizer musicalmente, literariamente, em suma: culturalmente.

Por fim, não posso terminar sem dizer do belo projeto gráfico deste Rockrise, da excelente qualidade das fotografias, da primorosa revisão, e das suas fundamentadas referências.

(1) BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. p. 37.


(2) Ibid., p. 37.


(3) Ibid., p. 37.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim