Poemário mirim de pertinências várias

Marcela Guimarães Neves

 

“Ando por esse Espírito Santo, canto por canto, embora invente uma fictícia ilha, que nem Jorge, é esta terra que eu amo, esta terra que é minha. Vitória: eis-me chegado, enfim a Trapisona.” (1) O mesmo espírito de amor à terra natal presente nos Cantos de Fernão Ferreiro, bela obra poética do escritor, professor e magistrado capixaba Renato Pacheco, pode ser nitidamente observado em Poemário mirim de pertinências várias, cativante livro do também escritor, professor e magistrado capixaba Getúlio Marcos Pereira Neves.

De fato, os poemas de Getúlio Neves nos fazem contemplar os encantos geográficos do Espírito Santo, sua riqueza cultural, as características da população capixaba, bem como os desafios que ainda precisam ser superados nesta nossa Ítaca de nome abençoado. Além disso, às três partes do livro, voltadas a essa viagem poética pelo solo espírito-santense, soma-se, ainda, uma última destinada a certos temas delicados, tais como o suicídio e a depressão (p. 82). Nela também se verifica a percepção do poeta sobre o exercício de seus vários ofícios neste país de grandes esperanças em meio a trágicos acontecimentos.

Com precisão e beleza, Getúlio Neves nos convoca a um emocionante passeio poético-contemplativo por meio dos poemas “Contemplação” e “Geocapixaba” (pp. 21- 25); exalta a geografia e a história das cidades capixabas de norte a sul do estado, a exemplo dos poemas “Pancas” (p. 31) e “São José sobre o calçado” (p. 53); explora as diversas expressões culturais aqui presentes, como nos poemas “Banda de congo” (p. 40) e “Lama” (p. 69). Por todo o texto do escritor, percebe-se, de forma inegável, que não é sem razão que ele ocupa a função de presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), haja vista saltar aos olhos do leitor o seu profundo conhecimento sobre este diversificado estado.

Vale ressaltar que todo o percurso imagético proposto pelo autor é traçado numa linguagem concisa, quase telegráfica, mas sem negligenciar, em nenhum momento, o componente emocional presente nos poemas dignos de nota pela posteridade. Neste ponto, a poesia de Getúlio Neves insere-se num contexto pós-moderno, na linha de poetas como o norte-americano Charles Olson, mantendo-se, contudo, a profundidade de quem, com poucas palavras, consegue capturar a beleza, a memória e afetividade inscritas nas terras capixabas. 

Assim como ocorre na literatura de Ernest Hemingway, com a sua “teoria do iceberg” (2), o texto de Getúlio Neves nos transmite uma “pista fundamental” da história que deve ocupar a imaginação do leitor de seus poemas. Com efeito, o lado oculto em grande parte dos poemas deste brilhante autor somente será de fato revelado, em toda sua extensão e grandeza, pela curiosidade daqueles dispostos a fazer tão instigante périplo.

Generosamente, os mais de duzentos poemas do livro Poemário mirim de pertinências várias mantêm submersa, mas amplamente disponível ao leitor atento, uma larga parte de mistério e reflexão sobre tudo o que se refere ao belíssimo estado do Espírito Santo. Ademais, a poesia de Getúlio Neves explica a própria arte da escrita como uma tentativa limitada de decodificação do conjunto opulento de símbolos, lugares, pessoas e sentimentos presentes na experiência humana. De forma magistral, conclui o autor em seu poema “Pertinazes” (p. 86):

É que as pertinências,
Todas
Não cabem no poema.
Pertinácia pura.

(1) Fecho do Canto-sinótico II extraído da obra Porto final – Antologia poética, Ed. Galo Branco, p. 102.

(2) Técnica de escrita que consiste em deixar que se veja apenas um pedaço da história, mantendo-se a parte mais robusta submersa e só atingível para aqueles que, de fato, conseguem percebê-la.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim