Os incontestáveis, de Saulo Ribeiro

Marcela Guimarães Neves

Born to be wild! (1) Assim como a canção de Steppenwolf, imortalizada no filme “Sem destino” (Easy Rider- 1969), o livro Os ncontestáveis, de Saulo Ribeiro, traz a vibração das viagens transnacionais norte-americanas (road trips) dos anos 50 e 60 para os dias atuais.

De fato, a leitura de Os incontestáveis nos proporciona uma animada viagem junto aos irmãos Belmont (“Bel”) e Maurício (“Mau”) em busca de um possante Maverick, automóvel vendido por Ramiro, pai dos dois aventureiros.

Tal como a reaquisição do Maverick representaria um resgate da memória familiar de Bel e Mau, todo o caminho percorrido pelos dois irmãos enseja um resgate da história do Espírito Santo, sobretudo no que tange aos seus aspectos mais dolorosos, como a degradação do meio-ambiente, a questão da posse da terra e sua distribuição para as diversas camadas do tecido social capixaba.

Com uma linguagem dinâmica, divertida e próxima da juventude, o texto do escritor Saulo Ribeiro possui uma clara inspiração na escritade Jack Kerouac, sobretudo na sua célebre obra On the road, (2) considerada a “bíblia hippie” dos jovens de sua época.

Ademais, outros elementos textuais também confirmam tal influência, a exemplo da fusão entre ação e reflexões morais, sociais e espirituais. Da mesma forma, o imaginário de Jack Kerouac também se faz presente no livro de Ribeiro no modo de captação das paisagens naturais, nos comentários ácidos a respeito das demais personagens, bem como na necessidade de referências sonoras. O jazz embala o trajeto dos jovens Sal Paradise e Dean Moriarty, em On the road, assim como a música da banda Black Sabbath acompanha os personagens de Os incontestáveis durante toda a viagem.

No entanto, podemos verificar que as virtudes e os vícios da obra de Kerouac também estão presentes no livro Os incontestáveis. Assim como o jornalista David Dempsey, um dos primeiros a resenhar On the road, declarou estar diante de uma obra “altamente legível e divertida, embora sem nenhuma moldura mais ampla dentro da qual seus personagens pudessem se desenvolver”, a obra de Ribeiro também não apresenta contornos mais extensos na caracterização dos seus personagens. Exemplo disso é a carência de detalhes na construção psicológica do personagem Maurício, o que deixa o leitor confuso diante das atitudes deste no desenlace da história. Com efeito, para além de suas interrogações sociais, pouco se sabe acerca de Mau, eis que apenas se apresenta como sendo um sujeito desprezível, mas “com reservas” (página 19).

Outras obras literárias e filosóficas podem servir de apoio para uma tentativa de compreensão dos contornos dados por Ribeiro sobre o destino dos personagens, como Os Sertões, de Euclides da Cunha e a A desobediência civil, de Henry David Thoreau.

Com efeito, além de uma intrigante finalização, o texto vibrante da obra de Saulo Ribeiro traz à baila incontestáveis questionamentos sociopolíticos, tais como este do filósofo Henry David Thoreau: “Leis injustas existem: devemos contentar-nos em obedecer a elas ou esforçar-nos em corrigi-las, obedecer-lhes até triunfarmos ou transgredi-las desde logo?”

Notas

(1) Nascido para ser selvagem

(2) Na estrada

(3) Além de artigos: http://www.morrodomoreno.com.br/materias/o-contestado-minas-espirito-santo-por-eurico-rezende.html e https://vozdabarra.com.br/relembrando-historias-sobre-o-contestado-minas-geraises/ .

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e o clube de leitura Leia Capixabas.

Editor responsável: Anaximandro Amorim