Há alguns anos, no Festival de Música de Domingos Martins, passei quinze dias em total enlevo. Tudo contribuía: o frio delicioso, a cidade engalanada de jovens com seus instrumentos musicais improvisando temas pelas ruas e pracinhas, as várias oficinas com mestres fantásticos, os concertos nas igrejas, no coreto, no palco, na praça a nos oferecerem o fino da música erudita, barroca, medieval, popular ou folclórica.
Melodias dançavam na névoa, no cálido sol da manhã, ao crepúsculo, no sereno da noite, ou longínqua, no colo da madrugada, eram acalanto para nosso sono. A música nos pulsava nas artérias, ritmava o compasso do coração, cantarolava nos lábios, marcava-nos os passos no lajedo das calçadas (impossível não sair dançando)... e assanhava a passarada no arvoredo. Tudo impregnava-se de sons e de magia.
Apesar de sempre dormir tarde, eu fazia questão de acordar cedo, ao primeiro sol, e sair a caminhar. As montanhas que cercam e aconchegam a cidadezinha como um ninho, atraíam-me com seu perfume verde, a leve névoa ainda adormecida nas copas das árvores, um ou outro raio de luz a esgueirar-se travesso entre a ramagem, flechando as sombras, e o murmúrio constante imerso no silêncio. Havia uma aura feiticeira que a tudo envolvia: “Auras subtis das frescas madrugadas, / Feitas de aroma e quérulo cicio” (Luís Carlos).
E aí aconteceu: voltava eu do meu perambular no cimo da montanha, quase a flutuar de tanto ar puro, quando por uma nesga na vegetação densa pude entrever a cidade adormecida. Quedei-me ali, surpresa e encantada com a paisagem, quando notei um movimento a meu lado: uma espécie de samambaia grande balançava muito lentamente uma de suas ramas. Curioso! O que a movia, se não havia a menor brisa? E por que só uma rama balançava? Tudo mais à volta estava absolutamente quieto. Pensei em algum bichinho ou inseto, examinei bem... e não achei nada. Nada!
Do lento mover-se, a rama passou a agitar-se mais e mais intensamente, animadíssima! E sempre só aquela única. Fiz um inspeção minuciosa, considerando todas as possibilidades. Não havia explicação lógica e visível. Afastei-me uns cinco metros, para observá-la de longe. Como se lhe fizesse falta o público para sua exibição, o longo galho da samambaia foi desanimando, oscilando suavemente, até parar. Ao reaproximar-me, tudo recomeçou. A princípio, bem devagar, depois, mais e mais agitada. Fiz essa experiência três vezes e o fenômeno repetiu-se exatamente igual. Em torno, tudo mais permanecia imóvel. Incrível!
Minha aura e a aura da plantinha haviam se comunicado. Ela me saudara na manhã enevoada! Desci o morro aos pulos, alvoroçadíssima, e fui contar para todo mundo. Fiquei com fama de maluca.