Casei com uma mulher que tem o hábito de colecionar tudo quanto é escrito e publicado em livros aqui, em Vitória. Por causa disso (obrigado, querida), tenho à disposição uma coleção de fazer inveja à Biblioteca Pública! Assim, vira e mexe, vou até a arca do tesouro e saco fora um livro desses e, não é raro, tenho uma preciosidade nas mãos.
Dia desses puxei um da estante. Prateado, foi o que chamou minha atenção. Escrito ali na capa, “Crônicas da insólita fortuna”, além disso, um desenho de uma rosa dos ventos estilizada, em vermelho, servia de enfeite. O nome do autor: Luiz Guilherme Santos Neves. Era o suficiente!
Comecei a ler e na mesma hora esqueci que tinha trabalho esperando por mim sobre a mesa, quer dizer, no computador. Muito serviço para fazer, por sinal: finalizar uma revista, acertar detalhes do novo livro de MS e mais outros dois livros do desembargador R para paginar e resolver as capas. Mas, o que fazer? Não conseguia mais parar de ler sobre o destino e o infortúnio de alguns dos pioneiros da história desse lugar. Como largar aquilo se a leitura era um grande barato em letras de forma desde a primeira linha? Uma surpresa encantadora patrocinada por um sujeito que eu não imaginava capaz de ainda me surpreender com o que escreve. Dessa vez, Luiz Guilherme descreve a desgraça com graça nos lembrando, a cada página, que a vida é a crônica da tragédia anunciada e que a ironia do destino sempre chega junto com cada flecha que o acaso nos prega nas costas, ou com as bordunas que nos encontram, distraídos, e quase sempre na cabeça.
Eu não imaginava, por exemplo, que um bombardeiro, um tal Bernardo Sanches de La Pimenta, poderia ter existido e, em 1515, sido um legítimo Robinson Crusoé perdido pelas nossas praias entre os bugres. Sabia por alto quem foi a Ana Vaz, a primeira primeira dama da capitania, mas não que ela supostamente teria dotes premonitórios e jamais imaginaria de um Jorge de Meneses, herói das Molucas que veio perder as botas por aqui, ainda nos tempos de Vasco Coutinho. E do Valentim Nunes? Outro herói, só que de Calecute. Desse, Luiz Guilherme conta que veio para cá e, depois de peripécias, padeceu nas mãos dos bugres, sempre eles. E por aí vai, vinte e uma vezes. Vinte e uma crônicas que se desenrolam sobre as origens da gente desse lugar.
Preocupado, o escritor faz questão de alertar ao leitor que aquilo, em boa parte, é ficção, lorotas de sua cabeça. Mesmo assim, depois de poucas linhas, é impossível saber quando as personagens e suas histórias atravessam o limite da ficção, para lá, ou para cá. Para mim não fez a menor diferença, porque se não aconteceu como o escrito, bem que poderia ter acontecido.
Durante a leitura de tantas histórias me dei conta de que muito pouco se sabe sobre a crônica do nosso desbravamento. Temos notícias sobre um punhado de personagens, mas daqueles milhares que vieram povoar a terra hostil, até aquele momento habitada por uns sujeitos indomáveis – com mania de devorar os distraídos –, sabemos muito pouco.
Sabemos de crônicas e romances daqueles moicanos e apaches mais do que de nossos nativos. Temos poucos livros de ficção ambientados nesse período riquíssimo da nossa história do qual o “Crônicas da insólita fortuna” é um raro exemplar.