O capitão do fim

Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil! Todos nós, na infância do aprendizado, descobrimos essa história. É sempre a primeira que contam sobre nosso querido país desde há alguns séculos: Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil. Tem tanto tempo isso que até já existe controvérsia. Agora andam dizendo que foram os chineses que descobriram o Brasil, aliás, o mundo. Porém, ainda podemos dizer, sem medo de errar, que Cabral descobriu a Bahia.

Estava em Niterói quando minha mulher, que é capixaba, tirou um livro da bolsa e perguntou se eu o conhecia: “é de um escritor importante e respeitado no Espírito Santo, o professor Luiz Guilherme Santos Neves”, observou enquanto colocava nas minhas mãos um livro fino, sem luxos editoriais. Meus olhos grudaram logo no brasão que, sobre um retângulo branco, dominava a capa toda azul, mas num azul honesto. Sem destaque, o título: O capitão do fim. Perguntei quem era aquele capitão, “leia, se gostar, depois conversamos” foi toda a resposta que consegui dela. Desse eu nunca tinha ouvido falar, pensei. Até aquele instante, o pouco conhecimento que eu tinha da literatura capixaba era o que eu sabia dela - e dos seus livros de literatura infantil - e do Ruben Braga, de quem li muito pouco.

Abri imediatamente e comecei a ler. “Aos poucos que tornaram esta história possível – rei, soldado, capitão, ladrão – e demais degradados filhos de Adão.” Só parei quando acabou.

Resumindo, ali estava a história de Vasco Fernandes Coutinho, que recebeu a doação da capitania do Espírito Santo do rei D. João III de Portugal e, montado em sua caravela Glória, por aqui desembarcou nos idos de 1535. Chegou empolgado como descobridor do Espírito Santo e logo descobriu que não seria uma empreitada fácil e que toda a empolgação do mundo não seria suficiente.

O livro contaria uma epopeia não fosse o Vasco um personagem de ópera. Irônico, divertido, rico em informações que a maioria de nós desconhece sobre aquele período, o autor desfia, num texto inteligente e elaborado, o que nossos ancestrais enfrentaram para se estabelecer em terras selvagens. Há pérolas por toda parte, como esta sobre a indolência dos colonos: “(...) quando se apartavam dos baralhos (...) era para apresar bugres e ferretear índias, ou para se defender da turba nativa que contra eles se alevantava, por terem ferreteado índias e apresado bugres”. Outra: “Quando o capitão percebeu que a saída para o povoamento da Capitania consistia em deixar correr a flama lusitana nas trompas das índias, estimulou a multiplicação da espécie, nos alvoroços do sexo, ele próprio se tornando um alvoroçado”.

Gostar é pouco, adorei o livro. Tanto, que não precisei fazer qualquer pergunta sobre o tal capitão, mas não conseguia mais parar de falar sobre a minha descoberta: O capitão do fim estava definitivamente agregado à minha lista de favoritos.

Esse episódio marcou minha entrada no mundo da escrita real, aquela produzida por pessoas de carne e osso. Vindo para Vitória, logo descobri no Luiz Guilherme Santos Neves uma pessoa calorosa, próxima.

Há literatura maravilhosa por toda parte e não apenas nas grandes livrarias.

 

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