O templo e a forca

Um romance sobre a Insurreição do Queimado. Um romance do desentendido. Um romance sobre palavras e o que, afinal, significam.

É um milagre o que acontece com cada uma dessas tais palavras depois que vêm ao mundo, com ou sem perdigotos, diretamente para o par de orelhas de algum distraído. Coisa complicada, pois é sabido que cada palavra costuma andar junto de suas colegas, as outras palavras. Algumas pequetitinhas, três, duas, muitas vezes uma só letrinha. Outras compridas como cobras de garatujas que reunidas, com aquelas muitas letrinhas, insistem em formar frases e trazer assunto. Que perigo! Temos que entendê-las direitinho, as palavras separadas e o que elas passam a indicar quando estão juntinhas. Ai, meu Deus! O que foi mesmo que o padreco queria dizer?

Foi trágico, tragicamente hilário, o que os escravos insurgentes se arrumaram lá pelas bandas da Serra, no que se chama Queimado.

Ouviram da boca do frade o que entenderam liberdade. Entenderam de entender o que bem entenderam. Porque me parece que de qualquer palavra que ouvissem, através das oiças mal treinadas, deduziriam apenas o sonho do que mais queriam.

Luiz Guilherme Santos Neves escreveu sobre a revolta dos escravos que aconteceu (se direito entendi) por conta de mal entendidos. Isso foi lá por 1845, nos tempos de nosso segundo império. Ao terminar de ler o romance, instantaneamente, num passe de mágica, me transformei em ferrenho respeitador de palavras, com direito a reverência.

O texto de Luiz Guilherme é rico em palavras comuns, extraordinariamente comuns. Do tipo que quando encontramos todos compreendemos, mas de cuja existência nos esquecemos, mesmo para escrever com riqueza. Abre-se mão, assim, de maravilhas do nosso idioma.

 

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