Antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, Stefan Zweig escrevia, referindo-se à situação europeia, que o velho continente estava sofrendo de violenta intoxicação. O ódio que por questões de estratégia havia sido insuflado ao máximo no período das lutas da Primeira Guerra perdurava ainda como negra herança, envenenando o espírito da nova geração que surgia. E o escritor austríaco exorta as classes dirigentes no sentido de que “... a nova educação deve principiar por uma concepção diferente da história, isto é, acentuar mais os pensamentos básicos, a comunidade entre os povos da Europa, do que suas antíteses. Esta concepção foi até agora obscurecida por uma compreensão puramente nacional e política da história”.
De alguma forma cumpriram-se os preceitos do “homem nuvem”? Não, em absoluto. Hitler foi a resposta e o antônimo de suas afirmações. Exacerbando ao máximo o nacionalismo do povo alemão, especulando o proverbial “pensamento conjunto” de seus patrícios, criou uma atmosfera de perseguição que não é um fato singular na história, uma um estratagema usado pelos líderes astuciosos de todos os tempos. Declarou-se acossado por questões infindas; da sacada da Chancelaria do III Reich sugeriu visões quixotescas e fez, aos olhos facilmente impressionáveis dos alemães, os moinhos de vento transformarem-se em belicosos gigantes, suprimiu a liberdade individual que na democracia é princípio primário, para criar o clima de uma ideia puramente nacionalista, no qual havia um único cérebro: seu cérebro. Desencadeou uma guerra de imprevisíveis consequências. Como lastro filosófico arrastou Nietsche interpretado pelos seus títeres e fez da força a base do direito humano.
É de se interrogar o que aconteceu à nova geração desse tempo, se a geração anterior já tinha os olhos esbugalhados ante tantos horrores e não pode banir a desconfiança das outras gentes de além fronteira.
Fazíamos uma ideia do estado de abandono dessas crianças que o conflito deixou sem lar. Tivemos uma visão real e crua com esse grande filme húngaro. Como poderá sair da retina desses garotos essas cenas de homens enforcados nas árvores, e em seus pensamentos perdurará a certeza de que fora de seus países há um inimigo à espreita que os aniquilará no primeiro descuido.
Na América estamos formando a mentalidade do novo mundo.
Em nosso continente não há ainda aquele modo unilateral de encarar as coisas que caracteriza as sociedades estáveis, e, quando realizamos uma tarefa por equipe, é seguido idiossincrasias pessoais, mas não arrastados pela fúria demagógica de um qualquer (é claro que não me estou reportando a detalhes, preferindo generalizar). É por isso que lições como a desse filme húngaro nos fazem bastante bem e concorrem para que a advertência do início da película se concretize e que em “Em qualquer parte da América” não ocorra o que ocorreu “Em qualquer parte da Europa”.
Publicado em Vida Capichaba nº 703, ano XXVIII, Vitória, setembro de 1950.
Nota do site: Acreditamos que Ivan Borgo estivesse se referindo ao filme “Valahol Europa’ban”, do cineasta húngaro Geza Radvány (ou Geza von Radvany), realizado na Hungria em 1947. No Brasil, onde foi exibido, esse filme levou o título de “Em algum lugar da Europa", e contava a história de um bando de criança abandonadas.