Uma pequena floresta localizada no extremo montanhoso do sítio. Depois de anos, pela primeira vez, resolvi ir até lá. Na caminhada, a companhia agradável do barulho da nascente, que mais abaixo era canalizada para as necessidades da casa. Nessa canalização havia uma caixa de cimento para captar volume maior de água de modo a facilitar-lhe o fluxo. Certa vez o cano da caixa entupiu e durante alguns dias o abastecimento foi interrompido. A causa: uma cobra coral que se enfiou no cano. Foi um custo desentupi-lo.
Mais adiante um ouriço-cacheiro com suas cerdas eriçadas passou a cerca de dez metros de mim talvez para avisar que eu entrava em território, senão proibido, ao menos com exigências não costumeiras para urbanos. Achei que teria sido esse mesmo ouriço que sapecou um espinho no focinho de meu cachorro, o valente Mopis, que passeava muito por aquelas bandas.
A seguir, a passagem foi dificultada por tufos mais espessos de assa-peixe, arbusto de aspecto insignificante, mas não pelas operosas abelhas que habitavam as quatro caixas perto do regato maior que atravessava a propriedade. Com cuidado para não irritá-las contornei as plantas e deixei que continuassem a produzir um mel muito bom, sempre esperado pelo pessoal de casa.
O caminho íngreme da subida acabava. Na borda da floresta, grande quantidade de pariparoba, planta usada para afecções hepáticas. Surpreendente a existência de um renque de ameixeiras amarelas que me levaram para minha casa de infância onde havia um pé dessas ameixas de que não gostava tanto, mas era a única árvore frutífera do quintal. A enorme quantidade de aves em cima delas aqui no limiar da floresta me dizia que elas não concordavam com minha opinião e brigavam muito para comer as frutinhas douradas.
Entrei na floresta, a catedral intacta desde a infância do mundo, como disse certa vez Frei Vicente Salvador, falando das florestas do Espírito Santo de outros tempos. Neste sítio de cerca de trinta hectares só havia aquela pequena floresta remanescente da Mata Atlântica. Perto da casa-sede restavam uma frondosa árvore de cedro e outra de jequitibá. Últimos vestígios do que teria sido a floresta original. A mesma situação de quando comprei o sítio e a mesma de quando o vendi. Hoje, há os que por obscuras razões ideológicas ou incompreensão sistemática condenam sem perdão aos que, por necessidade, cortaram as árvores. Mas há pessoas de outro departamento que pensam assim também. Creio que se equivocam, já que formulam uma ideia anacrônica, praga que distorce o pensar razoável.
Por exemplo, se os proprietários anteriores ou os anteriores dos anteriores lutavam pela sobrevivência e não queriam simplesmente se misturar à natureza, mas usá-la como elemento para satisfazer suas necessidades com o cultivo da terra, seria aceitável que cortassem as árvores. Afinal foi isso que a humanidade fez ao longo de sua existência à medida que procurava atender a novas necessidades de consumo, como nos ensina a História Econômica. Avanços científicos e tecnológicos possibilitaram atitude diferente diante das florestas, graças ao aumento de produtividade. Não é o caso de demonizar os que usaram a floresta para sobreviver, num nível compatível com suas necessidades. Claro, falo da floresta, sobretudo como valor de uso e não como valor de troca, porque, neste caso, haveria desdobramentos não considerados aqui.
O fato é que, apesar do grande aumento da população, foi possível a atitude moderna de revitalização e preservação das florestas.
Pensava em tais coisas enquanto entrava mais no interior de minha pequena mata, uma mata tropical que, conforme li de um biólogo inglês, é o sonho de consumo de estudantes europeus recém formados nessa área. Isto é, do potencial que nelas existe para descoberta de coisas úteis para a vida humana.
Como o fôlego acabou, encerrei a visita. Pouco antes de sair da mata, grande nuvem saiu de uma moita e passou por mim. Era uma apoteose de borboletas que não vou chamar pelo inominável panapaná para não ofendê-las.