Isaac

Isaac Kerstenzky, meu orientador em curso de especialização, pedia-me para ir destrinçando alguns “pepinos” da “História do pensamento econômico” de Eduard Heimann. Tarefa pesada porque o autor não era do estilo “digestivo”. Mas aqueles meses de mergulho na prosa desse autor “que não brinca em serviço” – como dizia Isaac – resultaram na captura de pérolas do pensamento voltado ao econômico. Um mergulho que ficava mais agradável e proveitoso quando saíamos da Fundação Getúlio Vargas, em Botafogo, Isaac comprava pão numa padaria da Marquês de Abrantes e seguíamos a pé, esticando os assuntos, até a Honório de Barros, onde ficava sua casa. Em sua biblioteca particular, ele continuava a me ajudar a aparar as arestas dos tais “pepinos”. Aliás, lembro que em sua biblioteca ele tinha orgulho especial ao exibir a coleção completa das obras de David Ricardo organizada por Piero Sraffa, publicada pela Fondo de Cultura Econômica do México e outras obras que eram fino banquete para os interessados nesse campo de estudo.

Terminado o curso, com minha admiração aumentada pela erudição de Isaac na área da História do Pensamento Econômico, poucas vezes mantive contacto com o professor. Surpreendi-me com a notícia de sua morte ocorrida em 1991. Sabia que Isaac era professor visitante de Yale, havia estudado na Holanda com Jan Timbergen, Prêmio Nobel, e publicado um livro sobre industrialização brasileira junto com Werner Baer, além de ter sido o reorganizador do modelo das contas nacionais do Brasil. Mas nada disso mudava seu estilo simples e acolhedor. Tinha um sorriso tímido mas amistoso e um olhar triste que escondia atrás da fumaça de um cachimbo fumado permanentemente. Muito irônico com a qualidade das estatísticas brasileiras, na época, que ele considerava a “mentira máxima” numa gradação de mentiras que ia da pequena, à média e à maior mentira. Mas ao dizer isso transmitia também um sentimento de frustração porque considerava que várias polêmicas que então estavam em altura máxima se firmavam em dados sem base na realidade. O fato é que, assumindo a presidência do IBGE, por indicação de seu ex-aluno João Paulo dos Reis Velozo, então ministro do planejamento, o professor Isaac, é voz corrente entre os especialistas, revolucionou métodos e implantou indicadores sociais que permitem o desenvolvimento de políticas visando à diminuição das desigualdades econômicas, etc.

Nesta fria manhã de agosto, meio por acaso, encontro um texto de Mario Henrique Simonsen com o necrológio de Isaac. Ele faz tantas referências importantes sobre seu papel em nossa vida econômica que tenho dificuldade em associar uma personalidade tão relevante para o Brasil, ainda que bem longe dos holofotes, com o cidadão Isaac caminhando por uma rua do Rio carregando um embrulho de pão debaixo do braço e o jeitão simples de um homem comum indo para casa depois do trabalho.

 

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