B. Traven, etc.

Numa incursão ao fundo do quintal, onde está guardada a maioria de meus livros, saltou na minha frente o “A ponte nas selvas”. Saltou é boa palavra para o que ocorreu porque esse livro está por aqui há não sei quantos anos. Não há no livro data da edição, que é de uma dessas editoras que surgem e desaparecem como fumaça: “Editora Assunção-SP”. A indicação de que sua compra foi feita há muito tempo, além das páginas amareladas e da capa cheia de manchas, veio de um carimbo na página de rosto: “A Normalista – Av. República, 136”, isto é, aquele bom estabelecimento de venda de lápis, canetas, inclusive as de cabo de madeira com penas de aço, as mais baratas, ou as douradas compradas por quem tinha mais dinheiro. “A Normalista”, além de material didático, vendia também uns poucos livros, numa Vitória chegada à pré-história. Nessa época o comércio de livros era uma atividade meio marginal. O “Empório Capixaba” foi outro lugar onde podiam ser encontrados raros livros de ficção ainda que desterrados para um sombrio fundo de loja. Mas um exemplo dramático da aventura desse estranho objeto enquanto item comercial foi o que aconteceu com um livro na agência de jornais do Copolilo, que expunha seus raros exemplares numa estante envidraçada. Ali ficavam eles tentando chamar atenção de fregueses mais interessados nas notícias dos periódicos. A duras penas, no correr do tempo, os livros foram desaparecendo das estantes. Com exceção de um: “O homem, esse desconhecido” de Alexis Carrel. Sempre que ia à agência lá estava o livrinho, ano após ano (e não exagero). No final, pude ver que as letras da capa iam quase sumindo tanto pelo tempo de exposição como por um implacável sol da tarde que batia nos vidros da estante e descoloria implacavelmente os caracteres escritos. Creio que o livro não foi vendido e desapareceu junto com a agência que fechou suas portas há alguns anos. Sinto vago remorso por não tê-lo resgatado daquela estante inóspita, mas, sei lá, tinha certa sensação de, ao lê-lo, embarcar numa viagem rumo ao desconhecido como o tal homem do título. Mais ou menos isso.                                                                                                    

Essa história de “A ponte...” é quase tão misteriosa quanto seu autor, o Bruno Traven ou apenas B. Traven, que ninguém sabe direito quem foi. É alemão? Polonês? O título original é em alemão. O que se sabe é que é um europeu que se isolou em rincões esquecidos do México e de lá mandava seus romances para os editores. Uns deles, o “Tesouro de Sierra Madre”, filmado por John Huston, com Humphrey Bogart. O romance fala de aventureiros que se reúnem para garimpar ouro numa montanha. Depois de encontrá-lo, se desentendem. Um enredo comum. Se bem me lembro, o que havia ficado com o ouro é assaltado por um grupo de ladrões e fica sem nada. Um enredo também cada vez mais comum: os que nada fizeram acabaram donos do botim.  Episódios banais de nosso dia a dia, ou seja, os promotores da “produção negativa” (roubo, propina, guerra, etc.), como a qualifica o economista italiano Cipolla, estão cada vez mais ativos e colhem onde não plantaram.

O primeiro livro de Traven que conheci foi o “O Barco da Morte”, uma edição de 1960 da Civilização Brasileira e que tirante a falta da capa está aqui perto de mim confortavelmente instalado junto a outros protegidos como “Trabalhadores do mar”, Hugo, “Gatsby”, Fitzgerald, o “Dom Casmurro”, Machado, um Graham Greene, Eça, “Luz de Agosto”e mais alguns outros. Há um problema de espaço e preciso escolher os que levo para cima, para a escritório.

O enredo de “A ponte...” ficou quase esquecido. Lembro-me de uma criança que caiu num rio durante uma festa.  A população toma providências para resgatar o corpo e colocam um prato com uma vela acesa na corrente do rio. Onde o prato parasse ali estaria o corpo do menino.

Fumaças de Garcia Marques. Mas não do super falado “Cem anos de solidão”, que tentei ler umas duas vezes e empaquei. Perdoem-me seus admiradores. Quando lembro de Garcia Marques falo de “Crônica de uma morte anunciada”, obra de um Nobel.       

Durante as filmagens de “O tesouro de Sierra Madre”, Huston, em seu livro de memórias, disse que desconfiava que o tal do Traven visitara o set de filmagem algumas vezes, mas sem identificar-se. Sempre que procurado, escapulia. Talvez até por influência de sua história, John Huston, já no fim da vida, mudou-se para uma localidade isolada nas cercanias de  Puerto Vallarta, no México, onde  levava vida ascética  e  sua principal distração era ouvir os trovões e olhar os relâmpagos que aconteciam em alto mar, diariamente, à tarde, e vistos dos barrancos da casa onde se instalara. Bem, é isso.      

 

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