Asaema e a escola amarela

Digo amarela porque foi a primeira coisa que percebi quando me disseram que daquele dia em diante eu precisava ir para a escola e fui.

O cheiro forte de tinta vinha não apenas das paredes recém pintadas, mas também de um barril de aço, deixado do lado da porta de entrada. As telhas, não. Meio vermelhonas e bem velhas com estrias de lodo preto no meio. Algumas, rachadas. Faltou dinheiro para substituir o telhado, disse dona Lena. Mas estava bem. Só nos dias de aguaceiro foi necessário colocar um balde perto do quadro-negro por causa de goteira.

Naquele primeiro dia, com os dois mil réis de prata que meu pai me deu para comprar material de escola, depois de me sentar na carteira dei uma cheirada no caderno novinho e vi como era um cheiro bom. E o cheiro dos lápis de cor?

– Atenção!

Era dona Lena falando.

– Atenção!

Dona Lena passou a bater com uma régua comprida em sua mesa de professora. Mas só foi para falar, naquele momento, aos meninos que iam para a escola no primeiro dia e não para os outros que sentavam da segunda fila em diante: alunos do segundo ao quarto ano. Estes ficavam perto das janelas que davam para o pasto onde havia alguns cavalos e um carneiro. Então ela falou para nós, da primeira fila:

– Peguem a cartilha da asaema.

– Hein? (pensei eu).

Mas o Gustavo, que sentava na segunda fila, disse bem baixo: “é o livrinho”.

Ah, o livrinho que comprei agora há pouco na venda do Alfredo Zeuthen. Asaema? Por quê?

– Abram a cartilha na primeira página – disse Dona Lena.

Vejo um bicho desconhecido. Uma galinhona? Nunca vi. Talvez só tenha lá para os altos de Lajinha. Por aqui, não.                       

– É uma ema – voltou a falar bem baixinho o Gustavo, que já estava no segundo ano e, portanto, mais sabido do que nós da primeira fila.

Do outro lado da página, uma asa. Vi logo. Então, asaema. Essa dona Lena, hein?

– Você!

– Eu?

– Você! (era eu), o que está do lado esquerdo desta página?

– Esquerdo?

– Aqui, menino (eu).

– Ah, é a asa. Asaema?

– Certo.                                         

Lá por volta de outubro, o acontecimento: não precisava mais pedir para minha mãe ler o “Tico-Tico” para mim. Já lia as histórias e gostava muito quando falavam em “fundo do quintal”. Nós morávamos numa casa que tinha um quintal grande e então ia lá para o fundo, perto do corgo, no meio de folhas de taioba, e me imaginava Chiquinho ou Azeitona ou Reco-Reco nas histórias que lia. Gostava menos, mas lia também as histórias de Zé Macaco e de Faustina. As do Yantok, não compreendia. Quando começaram a publicar a série de histórias do Minotauro acordei uma noite pensando como, no próximo mês, o  Teseu  se livraria do monstro.

Num dia, na hora do recreio, quando comia minha merenda, isto é, metade de um pão francês com ximia ou manteiga da colônia do Hollunder, comentava com meus colegas do primeiro ano, as aventuras do Chiquinho naquele mês. Foi quando chegou o Mauro, um ano mais velho que eu, aluno da segunda fila, do segundo ano, e ficou ouvindo o que eu falava. De repente, começou a rir. Riu que riu. Por quê? Ora por quê.

– Você ainda lê o “Tico-Tico”? Ah, ah, ah.

Tomei um susto, mas fiquei quieto. Aquele Mauro, filho do dono da fábrica de biscoitos, o homem mais rico da cidade e que tinha um automóvel. No último carnaval ficou subindo e descendo a rua cheio de gente fantasiada. Um desperdício de gasolina neste tempo de carestia – diziam – agora eu também digo – enquanto tantos outros.

– Ah, ah, ah. Essa é revista de criança boba.

O grupo do primeiro ano para quem eu contava a história não disse nada e enquanto isso o Mauro completou:

– Revista é o “Suplemento Juvenil” com histórias do Príncipe Valente.

Falar o quê? Nada. Mas, por dentro, nascia um ódio grande ao tal príncipe que teria derrotado meus primeiros heróis, embora, naquele momento, ainda duvidasse dessa funesta informação.  

 

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