Exóticas

Perto de casa há uma matinha de restinga. Lugar de passarinhos e de um cheiro de resina que deve deixar enciumados vários desses perfumes de loja. Agora, na primavera, há um alvoroço maior da passarada. Novos e ruidosos romances que se prolongam pelas árvores e outros, já consolidados, em frenética procura de gravetos e folhas adequadas para construção de ninhos. Há também uma imponente mangueira postada numa espécie de pedestal aqui no fim da rua, sem falar das pitangueiras carregadas que se oferecem aos passantes numa das vielas próximas.

Mas numa dessas tardes fui surpreendido pelo barulho de uma motosserra que, como é da natureza delas, cortava árvores. Fui saber do que se tratava e dei com um sujeito mal-encarado empunhando o instrumento letal. Perguntei-lhe o que estava acontecendo, mas ele não respondeu. Continuou cortando uma das árvores mais robustas da matinha. Insisti na pergunta e ele, com ar hostil, me disse apenas o seguinte:

“É uma espécie exótica e precisa ser eliminada. Há várias aqui.” Em seguida, virou-se e continuou a serrar a árvore. Seria pouco prudente pedir-lhe mais esclarecimentos porque me veio à memória atitudes perigosas que as motosserras podem provocar. Mas a explicação era insuficiente.

No dia seguinte a predação continuou e não procurei o operador da motosserra, mas outra pessoa que acompanhava o serviço e tinha aparência mais pacífica.  

“Realmente, disse ele, estamos eliminando todas as espécies exóticas de parques e jardins. É um programa. Já eliminamos todas as castanheiras das praias e agora executamos o programa em parques com outras espécies.”

É até possível que os planejadores da extinção tenham algum tipo de explicação científica, mas, por exemplo, nunca vi ninguém reclamar das castanheiras que fazem parte de nosso quotidiano desde sempre. Como leigo, me espanto com esse monte de árvores guilhotinadas e espalhadas pelos caminhos que margeiam a matinha.

Fui procurar mais explicações com uma especialista em meio ambiente e que não é uma ecochata. Trabalha na área industrial. Ela me disse que, de fato, sabe de um programa de preservação da vegetação de restinga com a eliminação de espécies exóticas que, segundo seus idealizadores, impedem o normal desenvolvimento de espécies nativas. Mas ela não tinha muitas informações sobre o assunto.

Como se vê, complicações teóricas relacionadas com o problema da preservação da Natureza e o tipo da questão que provoca debates intermináveis. Raro é o dia em que não aparece na mídia. Daí que, para não fugir à regra, vou me permitir dar uma espichada no assunto e dar um pitaco super-resumido.         

No passado, como nos revela a História, houve uma prática aplicável a todos os povos que formaram sociedades progressivas (denominadas sociedades desenvolvidas) e onde a floresta foi um dos pratos principais e indispensáveis para garantir suas sobrevivências nos padrões de consumo que passaram a adotar. Entre submeter-se passivamente à Natureza ou usá-la, tais sociedades optaram por colocar a mata como um dos ingredientes para satisfação de suas novas necessidades. Ampliadas, inclusive, pelo aumento da população. O consumismo? (Geralmente, o alheio). Fica para outra ocasião. Mas o processo de uso das matas chegou a um ponto explosivo e indesejável. Na atualidade, em especial, com o avanço da tecnologia agrícola, foi possível produzir alimentos em quantidades suficientes de modo a possibilitar seja freada a destruição das florestas e, mesmo, tentativas de recompor a flora original. O resultado é que a prática predadora passou a ser um anacronismo. Daí a estranheza da presença da motosserra nessa tão preciosa.reserva urbana. Digamos, contudo, que sejam procedentes as razões do programa de preservação da restinga. O problema é o surgimento dos fanáticos de carteirinha que estão sempre à espreita. Será que vão passar a condenar as árvores originárias de outras plagas, todas elas, que não tenham origem legítima em terras brasileiras? O que sei é que o caqui, por exemplo, veio da China. A banana e a manga da Ásia, a pera da Europa, etc. Farão passeatas para extingui-las a fim de transformar o Brasil num imenso jaboticabal?

 

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