A exatos três quilômetros da sede do distrito fica uma pequena lagoa, quase toda coberta de nenúfares. Um luxo da natureza escondido a cerca de duzentos metros da capelinha de Santo Antonio e que quase passa despercebida a quem anda pelo caminho que vai dar na antiga propriedade de meu nonno. Para vê-la é preciso abrir com as mãos a espessa parede de tabuas que a cerca, onde agora há escassas florescências dessa planta que teve importância para os primeiros tempos dos imigrantes venetos que se fixaram ali no final do século dezenove. Servia para a confecção de colchões e travesseiros. As tabuas tomavam todo o brejo defronte da capela. Naquelas festas em louvor a Santo Antônio pareciam também participar dos festejos com suas hastes encarnadas, concorrendo em beleza com as palmeiras de palmito fincadas no pequeno átrio onde se desenrolavam leilões e cantorias nostálgicas. Mas agora, em frente da capela, não há mais brejo. Foi aterrado para dar passagem à estrada de asfalto que vem de Santa Maria. O local mudou bastante. Só o que não mudou foi o pequeno cemitério cavado num barranco, cercado de bambus, onde agora habitam meu bisavô, minha bisavó, meu avô, minha avó e vários tios. Uma comunidade extinta, mas que domina aqueles arredores desertos com uma presença forte diante da mata tropical que, nas tardes quietas, saúda o sono deles com o canto de seus habitantes canoros. Ali estão eles. Sonhando ainda? Porque ainda são.
Vamos agora continuar a viagem em direção à vila que, como disse, fica a três quilômetros daqui. Deixamos para trás a lagoa, as tabuas e vamos. Não costumo mais andar com frequência por esses lados. Providência necessária para proteger um coração ralado por saudades inúteis. Irremediáveis. Mas hoje estou preparado, pelo menos é o que acho, para me desencontrar com os cavalos brigando naquele morro no lado direito da estação de trem. O trem de passageiros não existe mais e nem a plataforma onde se trocavam abraços de despedidas e de boas vindas. Todos com fatiotas de domingo porque andar de trem era um ato quase solene de fuga da rotina de lavrar a terra. Nem vou procurar o bar para tomar uma cerveja fresquinha tirada através de um alçapão no assoalho. As cervejas geladas de hoje podem saber melhor, mas aquelas garrafas tiradas de misteriosos fundos escuros continham mais que uma bebida para os neoadultos. Era a poção mágica que os animava para os bailes sob lamparinas de querosene. Plangentes concertinas chegavam ao clímax quando era tocada uma valsa que falava das saudades de uma cidade de nome Matão que ninguém sabia onde ficava, mas que resumia essa saudade universal das idades de ouro onde a felicidade teria sido possível. “Quando lá no céu surgiu uma pequenina luz...” – dizia a letra da música. É do que lembro agora quando entro na vila e a vejo com olhos de século vinte e um. Naquela casa de losangos azuis pintados na fachada ficava meu avô com seus longos bigodes, reclamando de seu empregado, o padeiro Acácio, que tinha acordado tarde e não havia feito nenhum pão. Uma reclamação em que havia certo tom divertido porque ele dizia que nunca o mundo conhecera um padeiro que acordasse tarde. Ríamos juntos. Mas, se alguma ruga me aparecesse na testa, a nonneta com seu beijo doce a faria sumir logo.
Talvez seja uma inconsequência a lagoa esconder-se com seus nenúfares. Haverá alguém interessado em descobrir suas belezas?