Fantasmagorias

Têm sido frequentes nos últimos tempos, as incursões de velhos fantasmas jucutuquarenses e também de outras procedências em minhas recordações. Há pouco me visitou o fantasma de meu amigo Álvaro Barboza, expoente dos quadros da “nação”.    

Para a noite passada sei a quem atribuir os “raids” fantasmais: ao meu amigo Luiz Guilherme que, no último bate-papo na Biblioteca, me provocou com coisas do velho Trianon, ou seja, para mim, como sabem os amigos, conversa de “ah, você se lembra?” para mais de metro.       

Naquela noite, e em “suíte”, quem apareceu em destaque foi um filme, “O terceiro homem”, passado no velho cinema de Jucutuquara. Protagonistas: Orson Welles, Joseph Cotten e Alida Valli. Direção de Carol Reed (nem eu nem Reinaldo nos lembrávamos do diretor naquele momento, mas agora lembro) baseado num pequeno livro de Graham Greene. Não jogo no time do “... no meu tempo...” Por exemplo, prefiro o celular com todas suas amolações do que o telefone da época em que se precisava de pistolão para falar com o Rio. Mas há intrigantes circunstâncias quanto à repercussão desse filme em Vitória. Motivo de muitas conversas de livraria ou na porta da agência Copolillo enquanto se esperavam os jornais das metrópoles. O episódio intrigante, quase humorístico, foi o da ida do personagem de Cotten, que fazia um escritor de sucesso na América, para uma palestra na Academia, a convite de intelectuais austríacos (o filme se passa em Viena). Ao ser perguntado sobre quem seria o maior escritor americano, ele respondeu que era Zane Gray, autor de livrinhos de bolso com histórias de caubóis, vendidos aos montes. Os austríacos, ligados a uma estética literária europeia de Joyces, Conrads e Manns, perplexos. Enfim, o choque cultural América versus Europa com o advento da cultura de massa. Não estou dizendo que, hoje, não se discutam assuntos assim em torno de um filme, mas o intrigante foi o tempo em que o assunto permaneceu em nossas cabeças. Estávamos também meio perplexos.        

Nessa noite as incursões trianeiras estavam indóceis porque quem apareceu, em seguida, foi meu mestre Guilherme Santos Neves, depois da sessão, descendo as escadas do Trianon assoviando a música-tema de “O terceiro homem” e isso graças à menção de Luiz a uma antiga crônica publicada na revista Você.           

Luiz me perguntou: como explica o aparecimento de trechos de livro que vêm de carona em vários textos que você escreve? Explicação não tenho, mas é um fato. Por exemplo, já escrevi que você é o responsável pela “criação” da cidade de Piúma na “Nau decapitada”. Em especial pelo trecho que fala dos sons de músicas que vinham até a aldeia do navio capturado pelo Boncarneiro. Outro exemplo que já mencionei em escrito feito não sei quando: não posso passar por um bananal numa curva da estrada velha de Guarapari sem pensar numa parte de  romance de Robe Grillet.

As luzes da cidade longínqua refletidas no céu e que já habitou um conto meu. A origem? “Judas, o obscuro” de Thomas Hardy. A propósito: não sabia bem porque uma fotografia do Humberto Capai havia me chamado tanta atenção. Trata-se de sua belíssima foto de curvas da BR 262 em que aparecem numa estreita faixa superior as luzes de uma cidade. Acho que pude compreender minha alegria com aquelas luzes sobrepondo-se às montanhas. E isto porque elas ajudavam a desfazer “um nó” da infância/adolescência. Na época em que Hardy me falava dos reflexos das luzes da cidade eu só podia também ver os reflexos das luzes de Vitória no céu.  A fotografia de Capai resgatou a ausência da visão direta das luzes da cidade já que me possibilitava (na fotografia) um melhor posto de observação no alto da montanha. Ainda que não fossem as luzes de Vitória, mas as de Vila Velha, como me disse Capai.

 

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