Os clássicos

Há algum tempo comprei um livro estrangeiro com gravuras de quadros famosos. Desde então a editora me manda (gratuitamente) um copioso noticiário de suas atividades e notícias quentes do mundo das artes. O curioso é que no meio da “quentura” sempre aparecem coisas de um mundo remoto provavelmente desconhecido das novas gerações. Mas no último exemplar remetido pela editora há exagero. Os “escombros sagrados” quase superam as novas tendências e isso me fez admitir que não fossem tão escombros assim. Por que Audrey Hepburn? Todos nós, nos anos sessenta, já sabíamos que não havia mulher mais elegante. É assim ainda hoje? Como ficam os “dialéticos” com a busca pelo novo, pelas visões do vir-a-ser?  Ainda: Marilyn Monroe, essa grande atriz não apenas em “Desajustados”, mas em tantos outros filmes que só exigiam olhos de ver. Fellini: bom, aqui nunca tive dúvida que esse falava pelo gênero humano e seria sempre importante. Taxi Driver. Merece também ser lembrado ainda que reflita uma reação particular a uma estrutura social massacrante. É notável, nessa edição, a ausência de avatares e daquelas películas estreladas por pássaros gigantes que caem sobre a pobre população, as bombas, os desastres monumentais e por aí.

Talvez influenciado pelas notícias desses monstros sagrados fui rever uma cópia de “Rebecca,” uma fita dos anos quarenta, de Hitchcock. Quando exibido em Vitória, no velho Theatro Carlos Gomes, provocou a maior fila que já vi numa porta de cinema. Estendia-se até o final da rua Barão de Itapemirim.  Creio que essa é a melhor obra do mestre do suspense. Entre outras coisas porque torna legítima a vontade de esganar os vilões interpretados por George Sanders e Judith Anderson, que infernizam a vida da mocinha Joan Fontaine. Sir Lawrence Olivier (Maxim de Winter) é o protagonista.

Ah, o tempo. Na primeira vez em que vi o filme, a cena passou batida. Mas, agora, certo costume especulativo foi provocado pelo momento em que o administrador de Manderley explica para a recém casada mulher do personagem principal e dono da terra que seu trabalho era o de cobrar “renda” (aluguel pelo uso da terra) dos habitantes da vasta propriedade. Caramba, pensei. Aqui está, ao vivo, no século vinte, um personagem que David Ricardo, no início do século dezenove, retratou como um dos titulares de percepção de renda sem trabalho e que permitia, no caso, a esse Maxim de Winter viver numa eterna vilegiatura. Mais: Ricardo acusava os “landlords” de sacrificar o conjunto da sociedade inglesa porque a renda da terra era um excedente improdutivo, prejudicial à industrialização. Como se diz que a defesa de certos pontos de vista sempre coincide com os interesses pessoais de quem os defende, o caso de Ricardo é curioso porque ele, depois de trabalhar na bolsa de Londres e ficar rico, foi ser proprietário rural, enfim se tornou um “landlord” e sua argumentação contrariava seus próprios interesses como recebedor de renda. Aliás, ele era mesmo uma figura de exceção. Após as tais operações na bolsa amealhou cerca de dois milhões de esterlinos e retirou-se para o campo pelo resto da vida, onde construiu uma sólida obra de teoria econômica. Ainda: no curso de sua vida notabilizou-se por ações caritativas e, principalmente em razão disso, no fim da vida, sua fortuna reduziu-se para cerca de setecentos mil esterlinos. David Ricardo foi um liberal pessimista que, por exemplo, admitia uma tendência de o padrão de salários situar-se no nível da subsistência em virtude da lei da população de Malthus. Dito isso, me lembro de Rodbertus, um socialista daquela época e, paradoxalmente, grande proprietário de terras. Mas ele previa a implantação do socialismo para dali a prudentes cinco ou seis séculos.  

Calma que isso está me saindo um discursório. Voltar a “Rebecca. Afora essas especulações que estão a anos-luz das propostas do filme (trata-se, afinal, de uma história da vida quotidiana de Cinderela e onde não há problema econômico), resta a constatação de que Maxim De Winter, o grande proprietário, perambulando pelos arredores de Monte Carlo, é a própria imagem da desolação e do desespero. Termino logo por aqui porque vou sendo tentado a colocar (e afinal coloco) o ponto final com o título de uma novela mexicana, das antigas, aquela que diz que “Os ricos também choram”.        

 

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