A professora

A professora era excelente. Talvez melhor chamá-la de professorinha. Fala mais de seu perfil de menina, de sua elegância, da ausência de afetação. Tenho dificuldade em associá-la às atuais professorinhas, tão prejudicadas em suas escolas, e, segundo a imprensa, xingadas e agredidas por seus alunos (inacreditável).

Tive várias professorinhas e elas nem mesmo são um retrato na parede porque retratos delas não tenho.  Mas como a lembrança delas dói. De uma então, chamada Nair, me lembro mais porque não se limitava a me pedir coisas do programa como o sinônimo disso ou daquilo, a “análise léxica” de um trecho de leitura ou descobrir qual o termo escondido da regra de três. Ela me falava de muitas outras coisas. Vinda de Vitória, a sonhada capital do Estado, dizia que gostava muito de cinema. Contava os filmes e histórias dos astros. Na época, nem ela e muito menos eu, poderíamos desconfiar se aquelas histórias não teriam sido inventadas pelas revistas. Exemplo é o que aconteceu (se aconteceu mesmo) com a atriz Dolores Del Rio, que se livrou de uma cobra no jardim de sua casa. O cachorrinho dela atacou a cobra no momento em que ia dar o bote na artista. A serpente o picou e o cachorrinho morreu. História inventada? A professorinha nem queria saber. Contava a história e seus olhos molhavam. Para contar os filmes a que assistira não se limitava aos enredos. Havia todo um preâmbulo na descrição dos palácios onde eles aconteciam. Havia um cine-teatro de nome Glória instalado num gigantesco prédio de cimento armado, cinzento, localizado bem no meio da cidade. Um prédio que transmitia ao mesmo tempo uma ideia de solidez e leveza naquelas deslumbrantes noites de cinema quando se formavam filas de quilômetros e quilômetros das pessoas que queriam ver o filme. Mais da metade voltava para casa sem conseguir ingresso. Ela sempre conseguia porque ia para a fila com uma antecedência de umas duas horas. Mas nem te conto. Quando passou o filme “Rebecca”, por exemplo, houve até briga de socos por causa de lugares na fila. Mas chegar com três horas de antecedência como eu fiz para ver o filme até que valeu. Você precisava ver a mansão de Manderley situada num promontório (você sabe o que é promontório, não? Já expliquei numa outra aula). Mas, deixa. O que quero dizer é que nunca havia assistido a um filme tão bom quanto “Rebecca”, onde aparecia essa mansão e uma governanta que era um diabo de maldade, tantas fazia com a pobre da mocinha que cometera o crime de casar com o viúvo de Rebecca, que essa governanta adorava como se fosse uma deusa. A professorinha ficava dramática e emocionada e, mesmo, se enfurecia com a malvadeza da governanta.  

Certo dia, a professorinha me fez uma grande revelação: filmes não eram feitos só no estrangeiro. Faziam filmes também no Brasil, embora ela só tivesse assistido a um chamado “Bonequinha de seda”. Gostei muito desse filme – dizia – e, além do filme, havia ainda outra razão para gostar dele. É que uma atriz do filme, não a atriz principal, tinha uma prima que morava perto de minha casa, em Vitória, na rua Gama Rosa. Essa vizinha tinha muito orgulho de ter uma prima artista de cinema. Certo dia até me mostrou um álbum encadernado da revista “Cena Muda” onde aparecia a prima dela fazendo papel de cigana. Mas veja só – pensava eu, muito admirado –, a minha professorinha conhecia a prima de uma verdadeira artista de cinema.

As professorinhas, que me lembre, nunca reclamavam de salário.  Vestiam-se bem e gostavam bastante daquelas saias com umas fatias dobradas a que chamavam de plissê. Chegavam sempre na sala cheirando a sabonete e, sem exceção, eu as achava muito bonitas.  

Fico falando em professorinhas, mas acho mesmo que elas eram verdadeiras professoronas no melhor sentido.

 

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