Não é o caso de ver esses tempos passados com lentes cor-de-rosa. Os psicólogos já nos ensinaram que, felizmente, temos a tendência de esquecer episódios desagradáveis e ativar bons momentos na memória. Por isso, seguindo a tendência, os fatos bons de lembrar voltam mais que os maus. No entanto, agora, um fato mau se impõe ativado pela televisão: a situação dramática de pessoas sofrendo no atendimento de urgência dos hospitais.
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. A boa lembrança: Dr. Américo Oliveira parado na porta do “Pronto Socorro” do velho hospital Dório Silva, na Avenida Capixaba. Ali está ele olhando o bonde passar, o tempo passar, porque não havia ninguém para atender na emergência do hospital. Talvez, se quisesse, poderia avisar à enfermeira que iria até em casa, que ficava a dois passos, para tomar um café. Se aparecesse alguém, que o chamasse. Não demoraria mais de dois minutos.
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. O Dr. Ceciliano Abel de Almeida está subindo uma colina em Manguinhos. Nós, o Manoel Ceciliano, seu neto, e eu, o acompanhamos. Dr. Ceciliano tem mais de oitenta anos de idade e nós vamos atrás dele. Não conseguimos subir a colina com a velocidade com que ele vai. E lá vai ele e nós atrás. De repente e felizmente, ele para e aponta para baixo, para o mar: “Ali está... a Ponta dos Fachos. Foi ali que Saint Hilaire...” Não me lembro do que ele falou sobre Saint Hilaire, mas a recordação do naturalista foi providencial porque eu e Manoelito já íamos botando os bofes pra fora. Paramos e vimos que Dr. Ceciliano estava satisfeito com não sei o que relacionado com o sábio francês. Aquela satisfação íntima que brotava no rosto do octogenário de tantos méritos, o transformava numa criança feliz no momento da descoberta. Um fato bom de recordar.
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. Em 1966, a BR-262, trecho do ES, ainda estava em construção. Depois de Vitor Hugo, estrada de terra, embora os cortes nos enormes barrancos e também os cortes nas pedreiras monumentais já estivessem feitos, exibindo as marcas das máquinas potentes que enfrentavam os obstáculos naturais. Para meu pai, a região com as florestas densas fazia parte de um território de mistério. Mitos e bichos ferozes com histórias contadas pelos mais velhos em noites de serão em outras terras daquelas bandas, já habitadas por eles. Chegamos a Pedra Azul e então ele me disse que, naquele tempo, esse lugar era falado como se não existisse porque as pessoas contavam de sua beleza com tanto entusiasmo que poucos acreditavam. Senti que ele estava aliviado porque as máquinas potentes respeitaram a pedra que não era lenda porque estava ali, bem perto de nós, inteiraça. Não se atreveram a arranhar sua beleza como ele temia.
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. Mas, um momento. Há outro fato recente se impondo agora sobre as boas recordações: a história de direitos sobre o petróleo extraído de territórios de nossa jurisdição. Vejo na televisão um senador fazendo a distinção entre “estados confrontantes” e “não confrontantes”. As expressões pretendem substituir as denominações “estados produtores” e “não produtores”. Uma substituição “mais técnica”? Pior: um senador de nosso Estado acabou repetindo essa novidade relacionada com “confrontações”. Muitos não resistem mesmo a uma “novidade”, a uma pretensa forma correta de denominar as coisas. Será que não percebeu a armadilha? Se a moda pega como devemos denominar, por exemplo, as minas de minério de Carajás? Estão no Estado do Pará ou este apenas “confronta” com elas? Se apenas confrontante, usando seus argumentos garfadores de nossos direitos sobre a extração do petróleo, será que também não nos cabe, a nós do Espírito Santo, um naco dessa riqueza? O subsolo não é da União? Etc. etc.
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. A seleção de futebol do Espírito Santo em 19... Quando? Bom, foi há muito, muito tempo. Numa época em que se podia falar de futebol em nosso Estado. Numa época em que havia o Estádio Governador Bley, em Jucutuquara, de propriedade de meu time, o Rio Branco. Depois, nos tiraram o estádio onde, ainda hoje, as moscas dançam seu balé no maior sossego. Mas essa é história comprida. Sim, a seleção capixaba de futebol vinha de vitória retumbante contra o escrete do Estado do Rio de Janeiro pelo inacreditável placar de um a zero. Inacreditável porque apesar da confiança em nossa rapaziada era difícil de acreditar numa vitória, em pleno território inimigo, contra profissionais regiamente pagos (pelo menos era no que acreditávamos). Nossos jogadores eram todos amadores, jogavam por amor à camisa. Mas nós vencemos. Só isso? Não, aqui em Vitória vencemos outra vez. É provável que nunca tenhamos ficado tão orgulhosos de ter nascido aqui quando nossa seleção fez a volta olímpica no estádio para comemorar a vitória. Depois, foram os mineiros. Mas já esqueci o que aconteceu.