No lado direito do altar da igreja de Santa Isabel para onde meu pai me levava aos domingos, numa charrete tracionada pela valente égua “Gasolina”, uma faixa com letras douradas proclamava: “Paz na terra aos homens de boa vontade”. Sempre a olhei com um ceticismo muito justificável porque o que havia de menos na época era “Paz”. Estávamos mergulhados na Segunda Guerra e também recebendo algumas rebarbas de homens de “má vontade”. Enfim, achava que homens de boa vontade eram raridade. Ao longo da vida fui surpreendido pelo fato de que não eram assim tão raros. Ao contrário, quase emparelhavam com os demais da outra banda.
Essa tragédia do maremoto no Japão me fez lembrar aquela faixa da igreja e reafirmar a ideia de que há muita gente de boa vontade neste mundo. A pronta resposta que veio de todas as partes do planeta confirma isso.
No meu caso particular tenho na memória um conjunto de japoneses de boa vontade com os quais convivi por mais de cinco anos na década de oitenta. Eles faziam parte da missão que implantou no Senai do Espírito Santo o projeto de um Centro Técnico de Instrumentação Industrial instalado em 1987, quando era o mais avançado da América Latina em sua área. A destacar que o projeto de cerca de cinco milhões de dólares, compreendendo equipamento e treinamento de engenheiros brasileiros do Senai (no Brasil e no Japão), foi totalmente doado pelo governo japonês. Não tenho receio de afirmar: uma dádiva. Inevitável que a turma da “má vontade” afirmasse entre outras coisas que o projeto criaria uma “fábrica de desempregados”. Uma ideia que imaginava nosso Estado como um permanente bolsão estagnado. Os jovens empregados graças ao projeto e os anúncios de classificados dos jornais procurando técnicos da área são a melhor resposta para essa ideia derrotista.
Neste momento, preocupo-me com os amigos japoneses que participaram desse projeto e com os quais tento inutilmente me comunicar para saber como estão. Como estarão o Kajita, o Fukano, o Igarashi, o Ishikawa , o Shinchi, o Kanagawa e outros amigos japoneses?
Já que considero o projeto uma dádiva, sempre me perguntei as razões dela. Claro, o pessoal da “má vontade” desfiará uma série de argumentos com o sinete de sua agremiação. Para mim, no entanto, nesses dias em que estamos todos angustiados pela tragédia japonesa, prefiro ficar com a palavra que me foi dita pelo Diretor do “Overseas Vocational Association” no dia 23 de julho de 1986, na sede de sua organização, o sábio Dr. Sasaki. Falávamos da espetacular ascensão japonesa no cenário internacional e assuntos correlatos quando então perguntei ao Dr. Sasaki a razão do processo de cooperação internacional japonesa nos termos generosos de que nosso projeto era um exemplo. Ele então me disse que, de fato, a situação do Japão no mundo, naquele momento, era excepcionalmente boa, mas – disse ele – nós temos consciência de nossas fragilidades e não nos enganamos quanto a isso. Por isso – acrescentou – a nossa grande preocupação é a de fazer amigos no mundo e pedir ajuda a eles quando nossas fragilidades se apresentarem de maneira mais enfática.