Apresentação, ou do propósito

Aqui estamos, já que não pude me calar. E, assim sendo, incumbe-me informar à minha meia dúzia de leitores que publico, a partir de hoje, este meu Almanaque Íntimo.

Do que virá, mesmo eu não conheço. Sei que não posso me calar diante de um fato, represente ele um acontecimento trivial, uma leitura, uma audição, o ar outonal das tardes, a adolescente que vi criança e que agora passeia com seu cachorro e madeixas. Não há como prever o imprevisível. Haverá aqui de tudo um pouco, seja sob o olhar pretensamente preciso, seja sob a miopia.

Não pretendo ser original nem dono da última palavra. Quem pode ser original com o planeta em liquidação? Ou taxativo com tanta possibilidade?

Pretendo ser livre. Até quando? E se me acharem alguma culpa? Hoje em dia todos são imputáveis de tudo. Basta que alguém deseje e levante a voz, sempre sub-reptícia, encouraçada atrás de algum poder ilegítimo. E a gente que se vire, neste presente de ponta a cabeça, para mostrar a inocência.

Acreditei, certamente, que a missão de escrever residia em retratar o meu tempo para - quem sabe? -, interessados do futuro. Mas o que dizer do meu tempo, o que vivo agora? Que lembranças posso deixar dele? O meu tempo, o presente, e as circunstâncias, ruborizam-me. Aqui não contam as cifras milionárias dos contratos atrás dos jogadores, mas o gol. Já não se ouve a música, esquecida detrás das cortinas mofadas das cifras fonográficas, mas todos são tão felizes. Há quase um milhar de assassinatos amontoados em nossas consciências e na de quase mil famílias, mas o que importa é o discurso mentiroso e pseudo-promissor e a cultura de paz para -  a saída de tudo -  o futuro. O que vale no presente é o descaramento, prevalecendo sobre a verdade. Afinal, conta-se com o futuro, aqui tão breve.

Talvez perca meu latim publicando aqui estes esboços, mas, como já disse, não posso me calar. Azar o meu e de minha meia dúzia de leitores.

 

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