Su-biiin-do!, me avisa a voz no elevador em que acabo de entrar.
É um elevador moderno, num prédio novo. Por isso ele sabe falar – é o que deduzo.
A voz é feminina e bem articulada. Prefiro-a assim, a uma voz máscula e agressiva, que talvez não tivesse a capacidade de transmitir a confiança que me transmitiu a voz que acabei de ouvir para a curta viagem que vou empreender do térreo ao segundo andar do edifício.
Recolhido ao interior da caixa metálica em que estou, subimos eu e ela, a voz, que se oculta num esconderijo que não sei onde fica, como se dali estivesse a me espionar, mantendo-me sob espreita, entregue ao seu comando, sem que possa escafeder-me do seu controle. Nem adianta querer saber de onde é que ela veio, qual o seu ponto de origem, o canal pelo qual se propagaram as moléculas sonoras que formaram a sua emissão instrumental.
Aquele tom imperativo, sem engasgos nem tropeços, me dá a certeza de que, apesar de oculta, a voz sabe o que diz, conhece o norte e o sul do trajeto que percorre, age movida pelas melhores intenções e que eu posso ficar de espírito desarmado que não serei vítima de nenhuma emboscada pelo caminho. Quando ela disse subiiiindo é porque vamos subir sem turbulência até o andar que é o meu destino. Quase me animo a dizer que será uma ascensão em céu de brigadeiro.
O que mais pode desejar um transeunte de elevador à medida que se afasta do raso nível do solo, entregue ao comando de uma voz peremptória e incontestável?
Fiz a pergunta sabendo a resposta: deseja chegar são e salvo aonde quer chegar. Sem ver nada além das compactas paredes que o cercam, o confiante transeunte deseja entrar e sair o quanto antes do ataúde de aço em que se deixou trancafiar por pressa e comodismo.
Em tempos de outrora os elevadores não eram o que são hoje, convictos e eloquentes. Quando entrei pela primeira vez numa dessas antigas carnanguejolas, com suas elásticas portas de sanfona, senti-me numa gaiola de ferro. Era preciso, para entrar ou sair, correr para o lado as duas portas, uma de cada vez, e fechá-las com jeito e cuidado, para o elevador não parar de funcionar. Um encaixe mal feito impediria a livre movimentação do arcabouço negro.
Subindo ou descendo nesses elevadores de antigamente, o passageiro ainda podia ver o que se passava a sua frente, através da porta sanfonada. Caso faltasse energia elétrica o mal-estar seria humanamente suportável. Hoje, se isso acontecer, vive-se uma experiência claustrofóbica de deixar qualquer um suando frio.
Ou será que a voz embutida no elevador está treinada para apaziguar os claustrofóbicos num desses inesperados transes? “Fique calmo. Não se afobe. O socorro virá logo”.
Espero que sim, mas não desejo passar pela experiência.
Seguuuundo andar, informa a voz sobre a minha cabeça enquanto a porta do elevador se abre automaticamente.
Como é que ela sabe que chegamos?
Não que eu tenha dúvida de que aquele seja o andar da minha escolha. Pelo tom autoritário com que a voz me fala sinto que ela seria incapaz de cometer equívocos. O aviso está dado. É quase uma ordem de despejo.
E se eu mantiver a porta do elevador aberta, travando-a com o bico do sapato, a voz estará preparada para se defrontar com esta situação imprevista?
A curiosidade me provoca e arrisco o teste. Pois bastam alguns segundos de interrupção para ouvir a reclamação eletrônica: “Por favor, libere a porta!”
Não há, porém, nesse pedido qualquer azedume ou mau humor. É um apelo educado, embora firme. O tom com que é feito é o mesmo com que a voz anunciou que estávamos subiiiindo, logo que entrei no elevador.
Não tenho como deixar de atendê-la. É o que faço: saio e a porta se fecha atrás de mim, mas sem que a voz me diga um obriiiigado. Concluo então que alguns fundamentos de etiqueta ainda não lhe foram ensinados, apesar de o prédio ser novo e o elevador moderno. Talvez num futuro próximo sua falha de educação venha a ser corrigida.
É o que sinceramente espero.