O balé aéreo da sacolinha de plástico

Ao sopro de um pulmão de vento começou o balé da sacolinha que levantou voo na rua de Bento Ferreira.

Como só havia eu, parado na calçada, veio na minha direção. Queria certamente despertar o meu interesse para as piruetas a que ia se entregar. Quando percebeu que eu já estava de olho nela, parou alguns palmos acima do nível da rua, deu uma reviravolta, ganhou altura e percorreu, sem roçar, a fachada de um edifício próximo. Ultrapassou o primeiro pavimento, o segundo e o terceiro, numa ascensão ainda cambaleante. Mal havia saído do chão para crer que estivesse vivendo com sucesso o sonho mítico de Ícaro.

Ao atingir o quinto pavimento, estabilizou-se em seu voo de aprendiz-aviadora talvez para avaliar se valia a pena dar uma entradinha na varanda que a atraía como um alçapão disfarçado com plantas e flores. Decidiu, felizmente, que o melhor a fazer era não ceder à atração perigosa, em prontidão de tocaia para cortar as asas da sua travessura peregrina. O espaço a galgar devia se apresentar, para a sacolinha voadora, como um desafio que merecia ser explorado.

Pelo menos foi o que imaginei olhando-a de donde eu a olhava, desejando que não caísse na armadilha da varandinha com plantas e flores. “Suba mais”, eu a animava lá de baixo. “Não entre nessa gaiola!”.

Ela deve ter recebido o meu aviso samaritano, superou a indecisão do entra-não-entra e continuou a se elevar em seu voo de garça, grácil e infanta.  Eu a acompanhava do meu ponto de observação, espectador privilegiado na manhã de sol e de brisa. Torcia para que a sacolinha não se distraísse e fosse se embolar contra a parede do prédio diante do qual fazia suas cabriolas como se o seu circunvoejar radiante dependesse da minha vontade, tal como a de um menino que empinasse sua pipa com movimentos ariscos. Ela, porém, comprazia-se em demonstrar, brincalhona, que já controlava com mestria sua aerodinâmica de pássaro recém emplumado, que dispensava ajutório.

No décimo pavimento, só de provocação, assustou-me: invadiu a varanda de um dos apartamentos sumindo momentaneamente para reaparecer logo depois, deixando-me aliviado com o seu imediato retorno.

Ressurgiu embalada por um ardor olímpico que a fez transpor o edifício diante do qual fazia suas traquinagens de passageira do ar, e foi planar, livre da ação da gravidade, bem acima da rua com carros e árvores. Não satisfeita com o ponto a que se alçara, arremeteu para o alto, tomada de anseios nefelibatas, lembrando um querubim de asas leitosas e frágeis.

De repente, fez-se imóvel, numa imobilidade de anjo de altar-mor à espera de um sinal eólico que lhe indicasse o rumo a seguir enquanto curtia a proeza de haver chegado tão longe, ela que há pouco era apenas uma sacolinha vazia de pulsação e alento.

Ficou assim algum tempo, exibindo-se em virtuosismo de prima-dona. Dando-se por satisfeita com seu momento de alada grandeza, retomou os volteios bailarinos que poderiam ter o Danúbio Azul por fundo musical, terminando por ser arrebatada numa lufada descendente que a fez desaparecer por trás de outro edifício, no outro lado da rua.

Esperei que ressurgisse aos meus olhos, mas foi perda de tempo. O show que me fora dado de presente pela sacolinha voadora tinha acabado. Querer, depois daquele espetáculo artístico e plástico, que ela ainda viesse pousar aos meus pés para aplausos e afagos, era demais.

Dei-me por premiado com o que havia assistido e parti para a rotina do meu dia de trabalho com a certeza de que estava abençoado pelas próximas vinte e quatro horas.

Obrigado, sacolinha de plástico, pelo seu voo sensacional. E ainda tem gente que quer acabar com você, nesses tempos ditos ecológicos em que vivemos...

 

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