O ponto

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Para quem não reparou, chamo a atenção: esta crônica começa com um ponto. É o seu ponto inicial, ou original, porque nele a crônica tem origem como se fosse um pintainho (vá lá o termo numa homenagem ao linguajar lusitano) que rompesse a casca de um ovo e dele pulasse fora para ganhar vida e ter existência como crônica.

Desse ponto zero, instante pontual primeiro e único, signo primordial que deflagra o texto, é que a crônica fluirá de ponta a ponta, com muitos outros pontos, e vírgulas, alguns parênteses, talvez com exclamações e interrogações que ao seu tempo virão ou não virão, mas certamente com travessões que se atravessarão entre uma oração e outra, porque há neste narrador que tira seu texto de um ponto seminal e dele parte à cata do ponto final que marcará seu termo, o vício incorrigível de recorrer a travessões para encaixar ideias entre ideias, compondo explicações, às vezes, supérfluas, às vezes, reiterativas.

Mas voltando ao ponto de partida, que ponto é esse que, com a disfarçada aparência de um falso ponto morto está se revelando, desde que foi pontuado, o ponto de apoio para que a crônica se configure da forma como está se configurando, tanto em corpo quanto em espírito, a fim de dizer ao que veio e para onde vai a partir do ponto que lhe serviu de umbigo?

Se ninguém ainda atinou — mas creio que todos já tenham dado com a evidência —, o antes citado ponto de partida é nada mais, nada menos, do que um compenetrado e lacônico ponto parágrafo que se presta a ser o que singelamente é: um caractere ortográfico que abre o lero-lero desta crônica.

Com tal observação mais do que evidente está se querendo dizer que o ponto que dispara a crônica — o calcanhar em que ela se acalcanha, e pisa e anda — desfruta da importância que todo ponto parágrafo tem em qualquer texto. Porque, se por definição, o ponto parágrafo é o ponto que encerra um parágrafo como seção de um discurso, é também, por duplicidade de valor, o ponto que inicia outra seção — e, por extensão, o ponto que dá cabimento a todos os outros parágrafos que depois do primeiro ponto virão.

E uma vez posto e pontuado o ponto parágrafo no início deste texto, que foi o modo pelo qual a crônica começou do ponto que a deu à luz, somos forçados a concluir que se não fora o ponto pioneiro que assinala o tal começo (não me detenho em discutir se é um bom ou mau começo, se a inspiração que o alimentou é frouxa ou genial), não teria a crônica chegado ao ponto em que chegou.

Escrevi ponto em que chegou?

Pois ai está! Da vertente de um simples ponto, sóbrio e taciturno, que ficou lá atrás como um olho d'água despretensioso — embora o lá atrás signifique o começo que se esticou até agora num perpassar de pontuações mal pespontadas — abrem-se à escolha do narrador dois pontos possíveis: esticar ainda mais o texto, ponto por ponto até onde der para levá-lo, com o risco de passar do ponto e entediar a paciência dos leitores; ou sapecar de vez, para encerramento de conversa, um ponto final bem sapecado e grosso.

Como me apraz a segunda alternativa, fico com ela: .

 

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