Meu encontro com a Amazônia

Geir Campos

Não, meus concidadãos, eu não botei (ainda) meus pés na selva amazônica. Pretendo ir lá, sim, um dia destes... O “encontro” a que me refiro aqui foi de avião: ia eu num turbo hélice, do Rio de Janeiro para Caracas, com escala obrigatória em Manaus, e tinha que passar por cima da selva amazônica. E assim foi que me “encontrei” com ela.

Devo dizer que foi, para mim, um “espanto”, como se diz: horas e horas voando, e o avião nem era dos mais lentos, e lá embaixo aquele tapete verde a não mais acabar, e verde, e verde. Pousamos em Manaus, e voltamos a decolar, e tome verde, e mais verde...

Pensava eu: como é que na Venezuela a Floresta Amazônica tem petróleo e no Brasil a mesma floresta não tem esse tal de “ouro negro”? Pra mim era um mistério. Depois vieram com a história das tais “telhas” da crosta terrestre, e eu então pensei de novo: – “Que raio de telha é essa que se inclina para o lado da Venezuela e não para o do Brasil?”

Hoje em dia, a Amazônia está “nas folhas”, como se diz: a gente abre qualquer jornal e o tema da “internacionalização” da Amazônica está em todas as páginas. É tanta gente estrangeira a querer “salvar” a Amazônia que eu me ponho a meditar (“pobre, quando vê muita esmola, desconfia”, dizem), desconfiadíssimo. Está todo o mundo de repente interessadíssimo em “preservar” a floresta amazônica – como se ela não fosse uma coisa bem brasileira, e como se até há bem pouco tempo o mundo inteiro não fugisse da Amazônia (ah, as malárias!) como “o diabo da cruz”, como se diz...

E pra mim tudo isso é puro blá-blá-blá... Deve ter muito “torresmo embaixo desse angu”, como se diz. E luta pela “salvação da Amazônia, pela preservação do meio ambiente, etc.” – até que não é difícil, ainda mais agora com a febre do ecologismo que campeia solta em todas as latitudes. E ninguém me explica a razão pela qual o governo brasileiro resolveu abrir uma estrada em plena selva amazônica, ligando o Acre ao Peru, ao Oceano Pacífico, uma iniciativa de claro interesse para o Japão. Mas será que os States estarão mais interessados em dar mais alguma “ajuda” aos japoneses, que os mesmos States ajudaram a sair do pós-guerra (uma guerra que o Japão perdeu, lembrem-se) para virem a ser um dos povos mais protegidos do mundo moderno?

Devo confessar que essas coisas todas me fazem pensar mais de uma vez em nosso Brasiu (não confundir com o Brazil obeso e risonho!), e é pensando que me lembro dos recentes funerais do imperador Hiroito: que coisa, até o nosso Presidente da República foi ao enterro do velho monarca japonês; mas eu – como é que eu fico? Eu sou um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, e algumas prerrogativas que por isso me são conferidas devem-se ao fato de eu ter lutado contra o famigerado “eixo” Berlim-Roma-Tóquio, ou seja, Hitler-Mussolini-Hiroito... Hitler e Mussolini tiveram aquelas mortes violentas que a gente conhece, e Hiroito morreu há dias. Pergunto eu: se Hitler e Mussolini tivessem “durado” até agora, nosso Presidente iria também aos funerais deles? Sei lá...

O que sei é que, embora tivessem perdido a guerra, esses dois países da Europa, e mais o Japão na Ásia, receberam de Tio Sam toda espécie de apoio e ajuda, com o famoso Plano Marshall e tudo.

É claro que vislumbro uma razão para essa “ajuda” toda, e para toda a “cobertura” que os meios de comunicação ocidentais deram aos funerais de Hiroito: creio que os States e a Inglaterra, e outros países do mundo “ocidental e cristão”, etc., quiseram “ajudar” a Alemanha e a Itália a formarem uma espécie de barreira a possíveis investidas da URSS na Europa, assim como “ajudaram” o Japão a assumir igual posição na Ásia... Penso em todas essas coisas, sim, e nada disso me faz ver com bons olhos a ida de nosso Presidente ao enterro do imperador japonês – o mesmo que ordenou o ataque a Pearl Harbour, por exemplo...

Mas, voltando à Amazônia: será que, apesar de todos os pesares, nossa Floresta Amazônica vai acabar mesmo sendo “internacionalizada”? E isso nem é necessário, pensem bem: é suficiente “internacionalizar” a cultura brasileira! Essa joia de filosofia prática foi “bolada” pelo suave John Fitzgerald Kennedy (aquele que os ianques fuzilaram em Dalas, lembram-se?).

Pois Kennedy já havia chegado a instituir a “new frontier” – e logo o nosso prócer Carlos Lacerda fundou no Brasil uma editora com o nome de Nova Fronteira... E em que consistia essa new frontier de Kennedy? Chegou Kennedy à conclusão – como era prendado o garotinho! – de que ficaria muito mais barato, e seria muito mais eficiente, em vez de ocupar territórios com marines e soldados norte-americanos (sempre malvistos e malquistos como invasores), ocupar os espaços culturais dos países subdesenvolvidos... Não é simples?

Qualquer bestalhão pode muito bem fazer a propaganda norte-americana com seus tênis e camisetas e outros berloques cheios de inscrições em língua inglesa... Diante disso, pra que “internacionalizar” a Amazônia? As “cabeças” tupiniquins já estão, em grande parte, “internacionalizadas”.

Publicado originalmente no jornal A ORDEM, ano LXII, São José do Calçado, domingo, 4 de junho de 1989, nº 2.510.

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Esta é uma publicação de cooperação entre o site Tertúlia e a Academia Calçadense de Letras.