Navegantes

Feliz, em meio à ótima leitura de Roberto Mazzini, percebi algo diferente acontecendo na minha cabeça. Os contos de Ivan Borgo estavam despertando lembranças de um passado distante. Quarenta anos. Pela tela da minha memória passavam imagens como num filme. Tardes quentes, silêncio, noites insones e livros.

Navegantes me levou de volta a uma parte da minha vida que se passou logo que desembarquei no Rio de Janeiro. Nada para fazer, ninguém para procurar. Para me distrair, passei a dar atenção aos livros abandonados em uma estante empoeirada daquela casa antiga. Escritores russos, alguns brasileiros e histórias americanas de detetives eram a minha única companhia nas tardes de verão naquele quarto no alto do Outeiro da Glória. Certamente, ao abrir e manusear as páginas daquele pequeno tesouro, deixei que um último sopro de ar fresco se esgueirasse por suas fibras ressecadas.

E por que a leitura de Ivan Borgo me trouxe essas lembranças?

Não sabia. Queimei pestanas e neurônios raciocinando para juntar causa e efeito. Sem sucesso. Não vi nenhuma relação direta, em estilo ou conteúdo, com o que eu lia naquela ocasião.

Duas noites depois do fim da leitura de Navegantes (essa coisa de ideias funcionam bem comigo à noite, as ansiedades também), já de volta às páginas do Milan Kundera num livro que não decola (A vida está em outro lugar), ainda tocado pelo mistério das lembranças da Rua Barão de Guaratiba, descobri o segredo. Ora, a leitura revirava antigos sentimentos, me tirava o sossego, mas não me fazia sofrer. Uma janela estava aberta e eu podia rever a minha história. Com algum tipo de mágica os contos de Roberto Mazzini me faziam sentir aquela juventude, me traziam novas. As mesmas que a leitura intensiva me deu na época da minha chegada ao Rio de Janeiro, quarenta anos atrás.

 

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