O homem vestido de verde (II)

Sinto que uma coisa ruim vai acontecer nesta estrada.

Enquanto eu trabalho, tem um homem do lado de lá do asfalto que não para de me olhar.

Não gosto que me olhem, nem de perto, nem de longe. Fico escabreado e nervoso, ainda mais quando estou metido no meu uniforme horrível, de varredor de estrada.

Sei que é um uniforme feito para chamar de propósito a atenção das pessoas que passam pela rodovia, onde estou trabalhando. Um trabalho cansativo, que tem que ser feito todos os dias. 

Quem inventou esta roupa de espantalho inventou com a cor que ela tem para evitar o atropelamento dos que com ela se vestem, é o que me disseram. A cor pode ser vista a distância. Mesmo assim, alguns companheiros meus acabaram morrendo, vitimas de acidentes horríveis.

Não é uma coisa bonita de ser vista: um corpo jogado na estrada, estourado e sangrando. E posso dizer que o vermelho do sangue não combina nada com o verde do nosso uniforme, misturados num bolo de carne e de osso. É triste, muito triste.

Agora chega de repente um cara estranho, que eu nunca vi na minha vida, salta do carro na beira da estrada e fica me olhando com uma máquina fotográfica pendurada no ombro. Vai querer tirar o meu retrato, vai?

Se ele pensa que não estou de olho nele, está enganado. Graças aos meus óculos escuros posso ver todos os seus movimentos sem chamar atenção, sem que ele veja para onde estou olhando, que não é senão para ele mesmo, o idiota que eu vigio nesta perdição de lugar, à beira da estrada asfaltada.

Não gosto que me olhem, nem de perto, nem de longe, já disse. Por causa disso, tenho vontade de gritar, sacudindo a vassoura: ei, cara, você acha que sou algum palhaço? Tá me achando bonito? Se está vem ficar no meu lugar! Eu lhe dou meu uniforme de escafandro, de usar no sol e não dentro d’água, como dizem meus companheiros de vassoura, dou as minhas luvas pretas, os óculos escuros, e você vem varrer como um condenado a terra que o vento amontoa no asfalto. Vem ver o que é bom, seu puto, penar neste calor de torrar passarinho, dentro do macacão fechado que dizem que é para evitar o câncer na pele. Em troca da minha roupa, você me dá a sua e esta merda de máquina que você tem no ombro para eu tirar sua foto. Vai ser muito engraçado! Sou capaz até de fazer um quadro com seu retrato colorido. Porque eu estou sentindo uma raiva danada dessa sua máquina mixuruca! Ainda bem que até agora ela não foi usada para me fotografar e espero que não seja. Se for, vou partir pra cima de você, de vassoura em punho, pra quebrar sua cara, seu merda! Basta você tentar!

Pensando bem, vou aí agora mesmo para lhe dar uma farejada de perto e saber o que você está querendo comigo. Quero ouvir o que você vai me dizer...

*

Consegui o que queria: a certeza de que o cara da máquina não passa de um merda de gente.

Com a minha vassoura no ombro, atravessei o asfalto quente que nos separava e parei na sua frente. Vi que era um sujeito quase do meu tamanho, um pouco mais alto. Nada que impedisse que eu lhe desse umas porradas, se me provocasse.

Nem sei por que tive essa ideia besta, já que não foi para machucá-lo que me aproximei dele, mas para saber o que ele queria comigo. Eu esperava que me desse pelo menos boa tarde, que fosse um pouco educado. Era como se eu tivesse saído da minha casa para fazer uma visita na dele. Mas nada ouvi da sua boca de siri. Ele apenas me observou quieto e desconfiado.  

Foi então que entendi que ele se ralava de medo, medo de que o atacasse na tarde calorenta, medo talvez de que o matasse com umas vassouradas na beira da estrada deserta, sem ninguém para lhe dar socorro.

O que me mostrou o seu pavor foi o suor que começou a rolar por sua cara. O calor estava forte, eu também estava suando, mas o suor que ele suava era demais para o calor que fazia, era um suor melado e grosso que só podia ser causado pelo medo, diferente do meu, porque o dele tinha cheiro. Um suor podre! Parece também que ele tremia nas pernas que nem vara verde. Aí eu quase dei uma puta gargalhada na cara do desgramado. Mas no lugar dela, para quebrar o silêncio entre nós, resolvi fazer uma pergunta boba:

- Que horas são?

Ele me respondeu depois de olhar o relógio, e continuamos calados.

Como eu já sabia que o cara estava tremendo de medo, não falei mais nada, de pura maldade. Fiquei esperando o que ia acontecer.

Foi quando ele me fez uma pergunta que eu acho que foi para espantar as más intenções que ele pensava que eu tinha:

- Falta muito para você largar o serviço?

Não respondi logo. Esperei um tempinho para dar uma resposta que não me lembro qual foi. Depois, sem dizer mais nada, voltei para o meu posto de trabalho, do outro lado da estrada. Ele deve ter ficado aliviado quando garrei de novo a varrer o asfalto.

O que não estou entendendo é por que ele está vindo na minha direção pelo outro lado da pista, depois de tudo passado. Será que ainda quer dizer alguma coisa? Se não disse quando ficamos cara a cara, por que vai querer dizer agora? Não estou gostando nada do que estou vendo, por isso não vou dar bobeira. Sinto que uma coisa ruim vai acontecer nesta estrada.

 

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