Ao fim e ao cabo

Ao fim e ao cabo não me parece que sejam as palavras apropriadas para começar uma crônica.  

Para terminá-la sim.
   
Porque estando escrito ao fim e ao cabo se terá a certeza de que a crônica chegou ao seu fim e ao seu cabo nada mais tendo o seu autor a dizer, o que disse, disse, o que escreveu, escreveu, além do fim e do cabo seria perda de tempo avançar com o texto batendo cabeça sem ter aonde ir, se o autor conseguiu esgotar o assunto deve se dar por satisfeito por chegar aonde chegou, ao desejado fim e ao desejado cabo.   

Que ecoem as palmas! 

Que ecoem as palmas porque para isso elas foram inventadas pelos homens, para as euforias de coroamento e êxtase sob o vibrante plaque-plaque das batidas acaloradas, ninguém aplaude a peça de teatro em seu início quando se descerram as cortinas e o palco se ilumina, é necessário que ela chegue ao fim e ao cabo para merecer o aplauso dos que a aplaudirem, se os aplausos couberem. Regem-se as crônicas por esta mesma regra.

Mas se é esta a regra das peças e das crônicas então que se retire o apelo que algumas linhas atrás se fez às palmas, quando foram pedidas, porque se a crônica ainda não chegou ao fim e ao cabo (no momento está pela metade) não há de merecer aplausos antes da hora, pois ainda não disse ao que veio, é preciso ter paciência e aguardar-se um pouco mais, faz pouco que se descerraram as cortinas do palco, faz pouco que se acenderam os refletores multicores, vamos ver o que vem por aí, se é o desenrolar de um drama ou o levitar de uma comédia para que espoquem os aplausos, ou talvez os apupos, mas que sejam somente ao fim e ao cabo.  

Antes disso não. 

Antes disso não porque ainda se está a caminho do fim e do cabo. Para que se chegue ao fim do fim e ao fim do cabo faz-se necessário dar um tanto mais de linha à crônica, ela que se vá espichando linha sobre linha, novelo que se constrói às avessas partindo do fim e do cabo, que se enrola por si mesmo, crescendo e engordando aos poucos, embora deixando visível que no ponto em que chegou não tem retorno, de um começo que fala em fim e cabo a crônica está cada vez mais próxima de um e de outro - o meio que era o meio já ficou para trás - já é possível se pressentir certa vibração de fim de peça precedendo a explosão de um aplauso incontido, não será de admirar se convocarem o autor ao palco, ao fim e ao cabo.

Já cabem as palmas? 

Não, mas estão perto.  

Ao fim e ao cabo, o que deve ser feito para que pipoquem palmas é dar mais um alento à crônica até o seu derradeiro fim e o seu derradeiro cabo buscando-se um fecho de ouro para assegurar ao público embevecido a certeza de que o assunto está definitivamente encerrado, de que uma palavra a mais será um desperdício, de que a crônica finalmente ou felizmente esgotou-se em si mesma, ao fim e ao cabo.

Agora sim, estrujam as palmas! 

Mas se chamarem o autor ao palco lá não subirá por não saber ao certo se ao invés do reboar das palmas foi o estridor das vaias que se fez ouvir, ao fim e ao cabo.

 

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