A menininha da foto

Observo a foto de uma menininha, de mim desconhecida, em pé, em cima de uma cadeira.

Deve ter dois anos, dois anos e meio. Seu vestidinho branco desce até os joelhos. Usa meias brancas, bem visíveis nas sandalinhas pretas, de verniz. Está fazendo pose, com seus grandes olhos redondos e vivos voltados na direção de quem a pôs naquele pedestal, sem que essa pessoa apareça na fotografia. Não estando fixados na lente da máquina que congelou a sua pose, os olhos da menininha não me acompanham, a mim que me tornei cronista de seu instante fotográfico, no começo de sua vida.

Solta na cadeira, ela não demonstra insegurança ou medo. Sente-se protegida por quem a colocou onde foi colocada, e a vigia de perto, com o olhar. Por certo lhe disseram que estava linda para tirar a foto.  

O elogio deve tê-la envaidecido, embora seus lábios, ligeiramente entreabertos, não cheguem a completar um sorriso de infantil satisfação, na estática em que se posta. Por isso não posso ver os seus dentinhos.

Mas observo seus cabelos, que são curtos, tendo um esboço de chuca no alto da cabeça – um ensaio de topete que sem dúvida foi tocado e retocado para ficar no ponto e sair bem na foto em que permanecerá para sempre.   

A foto – de cor sépia - pode ter sido tirada dentro de casa, ou num estúdio fotográfico. Mas não oferece subsídios para a identificação do ambiente, além da cadeira com encosto, do tipo comum, em que a menininha foi deixada em pé contra um fundo opaco e frio.   
   
Ponho-me na posição do fotógrafo e digo: “Fique quietinha. Olha o passarinho!”. E clico. Fixei o momento, eternizei a memória.

Fiz o clique em um segundo. A menininha já pode ser posta no chão para ir de encontro às alegrias e tristezas que o futuro lhe reserva em sua caminhada pela vida.

No clique que fiz, não dá para captar esse futuro desdobrado, o amanhã que virá, e como virá. Não dá para ver que a menininha vai se tornar mulher, que terá amores e desamores, dores e frustrações, prazeres e angústias. Não dá para saber quem será o homem de sua vida, se um, dois ou muitos. Se eles a tratarão com gentileza ou grosseria. Se ela terá filhos com eles, e os perderá (a eles e aos filhos). Se ela morrerá jovem ou idosa, de morte súbita ou na lenta agonia de uma enfermidade dolorosa.

O clique que acabei de fazer, num ato mecânico, é o instantâneo de um fotógrafo de olho concentrado no que vai ser fotografado, tão somente. Nem o passarinho prometido no instante em que contive a menininha na sua imobilidade para a pose cheia de inocência saiu na foto.

Mas se não revela o futuro, a foto revelará o passado. A menininha guardará para o resto da sua vida o retrato que acabei de tirar. Os dias e os anos vão esmaecer a sua nitidez, alguns dos seus detalhes ficarão desvanecidos pelo tempo, sombras e luzes perderão intensidade. Mas a pureza daquele momento, o tom angelical com que a pequena modelo se deixou fotografar estará preservado enquanto durar a foto, qualquer que seja o rumo que tome o destino reservado à menininha com suas surpresas e imprevistos, no decorrer de sua humana existência. E somente a ela, a menininha da foto, caberá avaliar se valeu a pena o que a vida lhe proporcionar.

 

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