O vago

Você, meu raro leitor, já estimulou seu vago hoje?

Pois eu estimulei o meu.

Mas vamos por partes para que a crônica faça sentido.

Há muito, muito tempo não ouvia falar no vago. Outro dia, porém, uma especialista em exercícios respiratórios, porque hoje há especialistas para toda sorte de saberes, mencionou o vago numa entrevista na TV.

Com desembaraço, fé e simpatia, ela falava no calçadão da praia, demonstrando ao vivo, para os telespectadores, o quanto a realização de exercícios respiratórios é importante para eliminar o estresse, pacificar os batimentos cardíacos e predispor à vida longa e saudável.  E aí falou no vago, salientando que ele precisa ser estimulado diariamente para funcionar com toda a sua carga benfazeja.

Para isso, é preciso que se inspire e expire devagar, de preferência de olhos fechados, mas como se estivéssemos vendo a ponta do nariz.  Uma respiração de reticências e concentração nasal que o vago agradece.

Embora eu tenha mencionado o vago várias vezes nas linhas anteriores, devo dizer que a especialista nos exercícios respiratórios só o citou uma vez em sua fala.

O vago – disse ela.

O vago? – indaguei do meu lado. E fui direto ao Google.

Nele aprendi – não vou bancar o presunçoso e dizer que apenas recordei – que o vago é um nervo (um nervo, vejam só!) que sai do crânio pelo forame jugular (isso mesmo, pelo forame jugular) possuindo dois gânglios: o superior e o inferior. É o responsável pela inervação parassimpática de praticamente todos os órgãos abaixo do pescoço – pulmão, coração, estômago, intestino delgado, exceto parte do intestino grosso, conforme li na Wikipédia.

Aprendi ainda que o nosso amigo, o vago, é também chamado nervo pneumogástrico (o nome, meu raro leitor, deve ser silabado como se estivéssemos inspirando e expirando lentamente, p-neu-mo-gás-tri-co!).

E obtive mais cinco aprendizados valiosos: que a denominação do nervo vem do latim vagus, “na acepção de errante, incerto, inconstante, confuso, desordenado” (o que ele não é pela minha conclusão nada científica); que o vago foi descrito por Marinus, no ano 100 d.C.; que a denominação lhe foi dada por Domenico de Marchetti (1626-1688), da Universidade de Pádua, que o descreveu dividindo-o em dezesseis partes devido as suas ramificadas variações (daí o nome vago) no corpo humano; que foi o francês François Chaussier, em 1807, que, bem à francesa, trocou seu nome para pneumogastrique (lembre-se, raro leitor: p-neu-mo-gas-tri-que!); e, finalmente, aprendi que a Nomina Anatomica manteve a denominação latina de nervus vagus, desde a BNA (Basle Nomina Anatomica), de 1895, até a atual Terminologia Anatômica,  da Federação Internacional de Associações de Anatomistas.

A informação do Google concluía sugerindo usar-se o nome vago e não pneumogástrico – o que assino embaixodevido a minha antiga aversão aos galicismos, herdada de meu pai que era professor de português.

Com tanto conhecimento acumulado em questão de minutos, passei, desde então, a ativar meu vago com frequentes exercícios pneumogástricos. Quantas vezes ao dia eles devem ser feitos não pude saber.

Mas pela recomendação da especialista em exercícios respiratórios, na sua demonstração para os telespectadores, deduzi que três ou quaro vezes diárias é dosagem suficiente. Se antes ou depois das refeições creio que fique a cargo do freguês.

Por mim, me obriguei a fazê-los antes do café da manhã, sempre ao ar livre, inspirando fundo e expirando reticentemente. E imaginando ver, de olhos fechados, a ponta do meu septo nasal na proa do meu rosto. Sem deixar de silabar vagarosa e mentalmente p-neu-mo-gás-tri-co que, apesar de ser um galicismo, não posso negar que seja a acepção mais indicada ao tempo desejável para o exercício, ao invés de va-go, va-go, va-go...

 

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