A entrevista

Estava longa a fila de acesso aos elevadores. Ele chegou cedo para a entrevista do emprego, identificou-se na recepção do prédio onde a Ecogreen Corporation do Brasil tinha sede, e entrou na fila dos elevadores, junto com os funcionários da empresa que chegavam para o trabalho àquela hora.

Tinha sido convocado por e-mail depois que enviara o currículo como candidato à vaga de engenheiro sênior e, pela mesma via eletrônica, recebeu o convite para a Entrevista Motivacional Seletiva com o diretor de RH. Uma recomendação em maiúsculas: que fosse pontual.

Quando estava na vez de entrar no elevador que descia se anunciando pelas luzes que piscavam alternadamente a cada andar percorrido, eis que seu nome é chamado pelo alto-falante da recepção.

“Senhor Antônio José de Souza, por favor, queira comparecer ao balcão de identificação”.

Ele relanceou automaticamente os olhos pelo relógio, a hora da entrevista estava por quinze minutos, a chamada inesperada quebrava sua expectativa de entrar no elevador cujas portas acabavam de abrir. Mas foi atender à convocação.

“Senhor Antônio José”, disse a recepcionista consultando a tela do computador, “a sua entrevista foi transferida da sala 1206, no décimo segundo pavimento, para a 612, no sexto andar. O diretor de RH está indo para lá e pede para o senhor não se atrasar. Acho bom subir pelas escadas porque nossos elevadores são meio lerdos e vão cheios”.     

Ele já tinha observado, quando os aguardava na fila de espera, o quanto eram incrivelmente lerdos os dois elevadores. Viu também que a fila tinha aumentado enquanto dera atenção ao chamado da recepcionista. Por isso, não pensou duas vezes: arremeteu escada acima numa disparada muito mais de engenheiro júnior do que de sênior, deixou para trás dois pavimentos de garagem com os quais não contava deparar, ultrapassou no mesmo embalo os andares restantes até desembocar no sexto pavimento, o coração pulsando forte nas veias do pescoço, o rosto pálido.

 “Em que posso servi-lo, senhor?” indagou a recepcionista diante da qual ele havia estacado.

“Eu estou sendo aguardado para uma entrevista com o diretor de RH”, disse ofegante.

“O RH é no décimo segundo pavimento, senhor”, esclareceu a recepcionista fitando-o intrigada com o erro de localização que cometera. “Neste andar funciona o Departamento de Engenharia Florestal e Manejo Ecológico”. 

“Senhorita”, disse ele, tentando controlar triplamente a voz, a respiração e o nervosismo, “eu ia para o décimo segundo andar, mas a recepcionista do térreo me encaminhou para a sala 612. Não é aqui neste pavimento?”

“Que é, é, mas a 612 não está disponível. Deve ter havido um engano. O senhor tem certeza que o número é 612?”

Ele tinha certeza até perdê-la ali, diante da fria e desafiante indagação que lhe era feita.

“Por favor, senhorita, consulte sua colega na recepção do térreo. Ela é que me mandou subir”, implorou impaciente.

“É o que vou fazer”, disse a recepcionista, discando pelo telefone interno. “Ei, Jussara, tudo bem? Eu estou aqui com o senhor... como é o seu nome...?”

“... Antônio José de Souza...”

“... o senhor Antônio José, que está me informando que você o encaminhou para uma reunião com o RH na sala 612. Foi isso mesmo?

“Mas, minha querida, a 612 foi interditada pela auditoria. Está cheia de documentos de arquivo. Você tem como verificar o local certo? O senhor Antônio José está bastante nervoso, mostrando o relógio... A entrevista... A entrevista é para que horas, senhor? Ele está dizendo que já está em cima da hora. Está bem, eu falo com ele. Jussara pediu para o senhor aguardar um minutinho que ela vai esclarecer o desencontro que está havendo. O senhor quer um copo d´água, um cafezinho?... Pode falar, Jussara, que estou ouvindo. Está bem, eu digo. Tchau! Seu Antônio José, Jussara disse que houve um lamentável engano. Ela consultou a recepcionista do décimo segundo andar que confirmou que a entrevista é lá mesmo, só que na sala 1216 e não 1206. Eu logo vi que não podia ser aqui. Acho bom o senhor SUBIR PELAS ESCADAS”, gritou a recepcionista para quem já as galgava em carreira desabalada. 

No décimo segundo andar, a recepcionista nem precisou perguntar o nome do esbaforido que chegara pelas escadas do prédio.

“Seu Antônio José, o senhor veio para a entrevista com o diretor do RH, não é mesmo?”

O interrogado confirmou com um movimento de cabeça, inspirando o ar que quase lhe faltava com a subida estuporada.

“Então, por favor, queira se dirigir à sala 1215, a sua direita”, disse a recepcionista cortesmente.

“Mas eu estou informado de que a entrevista é na 1216”, balbuciou ele. 

“Agora vai ser na 1215, com a secretária do diretor de RH. Ela o está aguardando”, limitou-se a dizer a recepcionista.

Para não perder mais tempo, ele entrou na sala indicada sendo recebido por uma secretária com a elegância de uma aeromoça, maquiagem bem feita, cabelo puxado para trás da nuca, cílios postiços negros, em frente da qual parou.

“Sente-se, por favor”, disse ela. E prosseguiu depois que ele se sentou. “Nós sabemos que o senhor veio para uma entrevista motivacional seletiva com o nosso RH. Como o senhor pode ver já se passaram dez minutos da hora marcada (a secretária exibiu o atraso no seu relógio de pulso, grande, retangular e dourado) e nosso diretor, para quem pontualidade é uma virtude sagrada, já se retirou para um compromisso externo. Eu fiquei encarregada de lhe informar que o seu atraso pesou contra o senhor, apesar do seu elogiável currículo de engenheiro florestal. Tudo por culpa sua...”

“Culpa minha, senhorita!?” rugiu ele. “Eu cheguei neste prédio vinte minutos antes da hora marcada, tempo suficiente para ser atendido pelo seu diretor de RH. Desde que cheguei fui retardado por uma série de informações desencontradas, dadas pelas recepcionistas que me atenderam, ora me enviando para uma sala, ora para outra, de andar em andar igual barata tonta. AS CULPADAS PELO MEU ATRASO FORAM ELAS, NÃO EU!”

“Mas no convite que o senhor recebeu estava indicada a sala 1206, não estava?”, indagou a secretária com uma frieza de iceberg. 

“E era a sala para onde eu ia, quando fui impedido pela recepcionista do térreo... Foi ela que deu início à confusão que me atrasou. Não acho justo que eu seja prejudicado por uma culpa que não me cabe”, disse Antônio José de Souza com firmeza. 

“Cabe sim, seu Antônio José. E sabe por quê? Porque quando o senhor foi informado da mudança, faltou-lhe a iniciativa de protestar, de exigir que a entrevista ocorresse na sala programada. Esta era a atitude proativa que o senhor devia ter tomado. O senhor falhou no quesito vivacidade, perdendo a hora da entrevista e a chance de emprego”, disse a secretária sem variar o ritmo do fraseado.

“A senhorita quer dizer que a mudança dos números das salas fazia parte de um teste secreto?”, perguntou Antônio José estupefato.

“Em absoluto. A confusão das salas foi um imprevisto, que acabou servindo para o nosso diretor de RH avaliar sua capacidade de reação. O resultado lhe foi desfavorável”, disse a secretária fitando-o com o semblante impassível.

“Mas se eu tivesse protestado, não poderia também ser prejudicado pelo quesito rebeldia?”, arguiu ele em sua defesa.

“Talvez sim, talvez não”, retrucou a secretária. “Neste caso, caberia ao nosso diretor de RH julgar. Mas como não foi o que aconteceu, a hipótese está fora de cogitação. Lamento muito ter de confirmar que o senhor perdeu o emprego. Aceita um copo d´água, um cafezinho?”

“A senhorita está redondamente enganada: eu não perdi o emprego! Eu me livrei de trabalhar numa empresa onde prevalece a lei do absurdo. E quanto ao copo d´água e o cafezinho... faça com eles o que achar melhor”, disse Antônio José de Souza para não dizer outra coisa, retirando-se da sala tão impotente e arrasado quanto um personagem de Kafka.

 

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